8.3.17

Dupla face



Foto: Guilherme Motta, 2017

Mural da Rita Wainer, em parceria com Acadêmicos do Baixo Augusta, Rua da Consolação, Fevereiro de 2017. Coincidência espontânea, ainda que auspiciosa, como se poderá verificar, o texto a seguir foi produzido hoje, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, fruto de uma reflexão que matura já o tempo de uma lunação.

A primeira associação que fiz com essa obra foi a do sentimento nacionalista, que pode se dar mais em relação a um Estado, e mesmo a uma cidade, do que com uma Federação, questão de identidade a partir de fronteiras subjetivas, haja vista, inversamente, o sentimento cosmopolita, de sentir-se cidadã/ cidadão do mundo. Em seguida, a pintura pin-up do Vicente Caruso logo vêm a mente, e toda a história protagonizada pelo Estado de São Paulo em 1932. O triângulo equilátero, “Libertas Quae Sera Tamen”, reforça isso. E lá está a bandeira do Município, a Cruz da Ordem de Cristo alongada e o brasão da cidade, definido assim pela Lei nº 8.129 de 2 de outubro de 1974:

“Escudo português de goles, com um braço armado, destro, movente do flanco sinistro, empunhado um pendão de quatro pontas farpadas, ostentando uma cruz de goles, aberta em branco sobre si, da Ordem de Cristo, içada em haste lanceada em acha de armas, tudo de prata. Em cima o escudo, coroa mural de ouro, de oito torres, contendo em cada torre, três ameias, duas janelas e uma porta. Suporte: dois ramos de café de sua própria cor. Divisa: “NON DVCOR DVCO”, de goles, em um listão de prata”.


Vicente Caruso, 1954

Porém, logo entendi que é uma pintura carregada de ironia e ambiguidade. Afinal, os peixes de Piratininga estão lá, ainda que mais pareçam tubarões: há violência nas águas, mas, como diria Brecht, talvez mais ainda nas margens que as comprimem. E há estrelas no céu, o punho erguido para o alto, o cetro é o Sol. For o ponto de vista do fundo do mar, veremos um corpo de bruços; do céu, um corpo de costas; em ambos os casos, Ofélia, boiando nas águas da noite de lua amarela. O muro pressupõe verticalidade, mas a água é fluxo que atravessa o horizonte. Por que(m) chora a lágrima que cai do olho da mulher? O cocar multicolorido, só não vê beleza na diversidade quem não quer. O cocar e a bandeira envelopam a mulher: bandeira de paz, mensagem de amor? João Agripino Dória Júnior, em entrevista com Bruna Lombardi em 29 de Março de 2016, disse o seguinte: "se nós pudéssemos contribuir para que a bandeira de São Paulo reproduzisse o sentimento da cidade, seguramente o símbolo seria um coração". Mas se há amor na mulher, sua expressão impávida não transparece: as garras pretas no braço de pele branca podem muito bem estar empunhando uma espada invisível, o vestido ninja e no traço de mangá. Aliás, A CIDADE É NOSSA e tudo que é preto invisível gravado no branco da bandeira de cruz vermelha, os rios e periferias invisíveis de xilogravura e literatura de Cordel.