14.6.18

Tamanho médio


nem canivete suíço
nem jeba do negão

Impermeável


Abriu um buraco na rua Maria Antônia, e dá pra ouvir o som de água corrente: a nascente do córrego Anhanguera, que nasce dentro da Mackenzie, e deságua lá na frente, no Anhangabaú. O buraco está sujo: embalagens de vidro e plástico, tecidos, uma tábua de passar roupa, matéria orgânica... A água corre, dá pra ouvir, e o céu e o inferno estão aqui, nos buracos que insistem em brotar de dentro da superfície

11.6.18

Dancei


ouvi uma música
pensando em você

Pensando em você


Fiz uma massagem em mim mesmo
Nódulo de dor no pescoço
no meio da asa
entre o ombro e a orelha

Gargalhada


Palavra com vigor de um galo
cantando pra romper a madrugada
por entre galhos de árvore a luz do Sol se anuncia

para Alexandra Tulani Oranian

Cachimbeiro sim


Estilo preto véio
Saci-Pererê
Caipirão

bolá um beque
um do verdim
 fogo na bomba
dá uns pega
o tapa da pantera
"passa a bola, ladrão qué fumá"

Viajar
Subir na nave
Piloto de fuga

Um pito bom

10.6.18

não se movendo jamais


respiravam rápidos
ofegantes

ela pulava
fogosamente
o som das ancas se encontrando
com as coxas

o membro teso dele
perfeitamente
outrora pinto mole e descompromissado
agora obelisco sólido
perene
duro

mas quando chega fica rápido


primeiro vem Carinho
instantâneo, franco
mas também velado jogo
timidez faceira
olhar penetrante
jogo de sedução

A tesão é mais lenta

9.6.18

Atormentado Papelão





Lado A - Papelão, Lado B - Atormentado
Capa e contracapa de EP inédito
que provavelmente nunca será lançado
da banda Bora Barão
extinta recentemente
músicas de autoria
Pedro Assad
Alexandre Moura
respectivamente

para Flávio Rubens

Fazendo a travessia


Quando eu morrer, anotem, quero ser lançado ao mar que nem o Quincas Berro d'água. Pode cremar antes, que é pra não dar trabalho de carregar. Na impossibilidade de role pra praia, podem me jogar, ainda assim por favor devidamente cremado, em qualquer nascente ou fundo de vale, que ai já aproveito e passeio até o Rio Paraná, depois o Prata, todos os caminhos levam à Roma, mas todos os rios levam ao Mar.

para Luiz Antonio Simas

6.6.18

Áries


quem não quer apreciar
o rebento do mundo?

Concha y Toro


um lugar
mil garrafas

Há dez mil anos atrás


Osso
Clava
Facão
flecha
carabina
dedo nozóio
voadora no peito
mordida na orelha
lança fogo na cara
galera já saía na mão

Sépia


Tentar escrever de uma forma poética o que eu sinto: sua ausência e sua presença. Podem a memória e a lembrança serem atributos suficientes para superar essa lacuna, essa fresta enorme, do tamanho do mundo? Abismo. Às vezes me sinto tão pequeno. Olho para as crostas amareladas de recife coral, pedras que cortam, os braços estendidos para frente, as palmas das mãos abertas, de onde nascem flores brancas: “prenda-me!, pegue-me! rendo-me”. Não, ainda não sarei. Perpasso os cantos da minha memória labiríntica em busca da cura, essa força manifesta da tal Casa 12 onde calhei de me encontrar, como um barco encalhado que já teve sua vez em alto mar, e agora espera renascer, como os rios da nossa cidade. Mas a calha e o cais talvez sejam o destino comum para todos nós, barcos, pessoas e rios, como as baleias que escolhem a praia como lugar de morte: não, elas não querem ser empurradas de volta, não pararam ali por acaso, logo elas, rainhas do alto mar, que conhecem as correntezas e fluxos do outro lado da vida à fundo e melhor do que ninguém. Elas não se esforçam para saber que mesmo o inevitável é sempre uma escolha. E, na sua sabedoria, ainda nos fornecem uma última mensagem secreta: o abismo não se deve olhá-lo nos olhos, sua força gravitacional é deveras pesada. Mais vale pensar em poemas e encantarias. Só que tudo que é proibido é mais gostoso. As proibições servem apenas para afastar do prazer, mesmo que este seja dolorido e sôfrego. Penso em você todo dia, todo santo dia, vai ser assim por um bom tempo, já me conheço o suficiente para saber. Ano passado foi assim também? Eu achava que tinha conseguido me desvencilhar, mas era doce ilusão, eu sabia, pois havia aquele átimo de fio fino e brilhante que me ligava à você quando via aqueles sobrados velhos grafitados, qualquer coisa bonita, cheirosa e gostosa, lá do outro lado do mundo. Mas para os raios nos pés de Hermes e os raios nas mãos de Zeus as distâncias não são nada além, voam muito além das gaivotas. E mesmo com um oceano de distância você me escreveu de novo, e a bolha explodiu: ploc. Toda vez que você me escreve sinto um fervilhar dentro de mim, eu borbulho, lava escaldante, gato escaldado, banho Maria, sou assim quente, fazer o quê. Talvez você seja isso para mim, uma presença oculta que me aquece, onde, em outro lugar, tu é realidade presente, soberba e manifesta, forte, doce, densa, salgada, um milhão de sabores, como terras e águas. Só de pensar em você já me regojizo, talvez seja isso, eu amo respirar. E se, por um acaso, de alguma forma gosto de te enxergar assim tão longe, meu duplo, é porque sofro por lembrar que, quando estive tão perto, por vezes, me desesperei profundamente, e não soube respeitar o lugar, apreciar a vista, esperar simplesmente... pois na verdade a distância não é nada, daqui até o fim do universo um fóton de luz atravessa rápido. Espero que esteja bem. Espero por você. E escrevo para te encontrar.