23.12.16

Asas do desejo

Pássaros não tem pouso fixo, mesmo quando fazem ninhos. Exceto o João de Barro, esse construtor das asas leves, casas de adobe. Enamorados do vôo, uma hora cá outra lá, sábias pausas, sabiás cantantes, da impermanência fazem natureza. Duas andorinhas, insustentável leveza, colibris. Das janelas pra cá, outra lá, o corpo nu no atelier, um chapéu de coco na cabeça, em frente ao espelho, continente, casa. Faz graças, rebola, hipnotiza, escapada faceira e gatuna. A plenitude de estar só, o deixar-se estar, estar-se nua, à vontade nudez. Cupido nasceu de um sonho assim, Carta VI, aquela que observa do outro lado do espelho, um corpo entre duas: vontades, do outro, reflexo, outras reflexões. E uma voz sussurrando da vitrola, “são dois pra cá, dois pra lá”. E pra nascer quebrou o Ovo primordial. Duas vozes, em cada ouvido uma, Prelúdio de amor. Duas asas, uma flecha, o arco teso, infantil, mas poderoso, divino e mortal. Três corpos, de dentro, de si, do outro, a outra face, dar. A música faceira, o canto dos pássaros, a primavera que chega cinza de amarelas cores, prenhes meditações, solitárias metáforas. Olhar cupido, observa as triangulações dos corpos, tetraedro desejante, xadrez às cegas, luzes, folhas, pessoas. Nunca dois, só a Lua e o Sol. Duas cabeças, uma morte, três sentenças. E a matilha de cães uivando pra Lua, caranguejos no mangue, quando o Sol chegar nos abraçaremos, enamorados de afetos.

Terra sagrada


Teu corpo
Num faz de conta
A vida brava
Selva de pedra
Contos de fada

Caminhos longos
Coroa de espinhos
O mar de rosas
Encruzilhada

Um leão por dia
Batalha velada
Ele, leal
Ela, dissimulada

Desfechos e desencontros
Sabores e aromas
Reverberâncias

de marinheiro


Nas pontas
De uma linha
Dois extremos

Nossos corpos
Nessa vida
Quantos nós

Já não deram?

22.12.16

Tereza


A prmeira vez que vi Tereza
achei que ela tinha cara de poema

14.12.16

Imperecível


Vontade
tal qual pomo de ouro

9.11.16

Republiquetas


afinal, vivemos uma época dolaresca e tramplesca
vamos aceitar, que dói menos
tornar o jogo deles outro, o nosso oculto
(nosso? nossa!)

jogar às avessas

31.10.16

pela janela


A cabeça anuviada
Saio pra rua
Uma criança dentro de mim
acha o sol da tarde bom

22.10.16

Ame-o e entenda-o


Malditos comunistas!
Querem mexer com o dinheiro alheio,
quiçá com minhas contas suíças!

Cabrones, não passarão!
Que me importam 54 milhões?
Como se não fossemos nós os mestres da arapuca,
os donos da razão?

Se temos com nosoutros bons companheiros
consagrados moroalistas
de pequeno burguês uma boa rapa
e a rede bobo de televisão!

Comunistinhas de merda!
A começar por aquele velho Prestes,
E aquela pohha loka do Marighella!

Se, desde muito antes dessa história toda,
nossos tataravós já picavam trilha,
batiam estaca
e levantavam as cercanias dessa terra.

Dizem que é dinheiro público,
e não de consagrados trustes
e sofisticados cartéis,
centenárias tocaias e embustes.

Afinal, o que é público,
de todos, é de ninguém.
Porque aqui é o país do negócio
e aqui cidadania não tem vez.

AME-O OU DEIXE-O
VAI PRA CUBA!

Escafandristas


a natureza torna tudo útil
todo lixo, toda sucata
até um navio no fundo do mar
vira esconderijo de peixinho
casa de coral
o desejo dos mergulhadores

do passado
explodem de fora pra dentro
pressão atmosférica imensa
potência, do fundo do oceano

do futuro, astronautas
explodem de dentro pra fora
um gesto simples
mas inesperadamente sofisticado

fogos de artifício
tornar-se

A transição do Tempo


O vento balança a copa da árvores
Pêndulo lúdico e poético
o galho sustenta o balanço da criança

O canto dos pássaros
Barulho das máquinas
O som ao redor de tudo,
ruído urbano

dentro de mim uma grande quietude
Já sei que vai vir tempestade
Como as coisas chegaram a esse ponto?
Não te recordarás
mas sente que te abraças e te enlaças o vento
e a confiança em tudo
trançado fio da vida
por entre as folhas
A construção e o Caos
Desinteressam

Pois árvores dançam ao sabor do vento

18.9.16

Ser humano comum


passando uns perrengue
desfrutando as bençã
organizando o Caos

15.9.16

John Ruskin


Ou, a ruína do reinado

7.9.16

Só de soslaio


o malandro está

5.9.16

Visões da manhã


uma mulher dançando sozinha na esquina de casa

O homem que buzinou com uma marca de beijo na bochecha

4.9.16

Lava


Netuno vulcânico unificando terra e água

No alto, uma águia

A parábola da arte contra a guerra

31.8.16



Hoje assisti uma aula bastante pautada pelo silêncio ponderativo, e pela digressão (ministrada pelo professor Candido Malta Campos).

Ironicamente, tal silêncio foi permeado por gritos de protesto e bombas de repressão, bem em frente à Mackenzie.

Um exercício de austeridade.

Lembrei de uma cena do filme Herói, com Jet Lee, onde uma escola de caligrafia é alvejada maciçamente por um exército de arqueiros, mas as pessoas escribas continuam praticando, mesmo enquanto têm seus corpos perfurados. “Essa não é uma luta nossa! Continuem a praticar”, disse o mestre, que foi o último a morrer.

25.8.16

Propenção


à Pança

23.8.16

Antropocênica


quando for utilizar o termo "homem"
para se referir à humanidade
favor substituir por
"as pessoas"

Gerônimo


o antônimo de Carrasco é
"aquele que boceja"

19.8.16

Ampulheta


meu butsudan (oratório)
sendo comido
lentamente
por insetos

para Elza Soares

10.8.16

less is more


um dos lemas duz'arquitects is
mas também nunca deixe de
desconfiar que
more pode ser less

6.8.16

O que você está fazendo?


organizando o Caos

31.7.16

como um raio


rápido e fatal
sintetiza profundas reflexões
pesadas e lentas

uma nuvem de chuva se formando

25.7.16

Divina


Da mão fotografar a palma
Abrir o céu ou o coração
Ler a outra pessoa inteira
Em cada fragmento uma cidade

Como um livro secreto
Os corpos pulsantes
um puro artefato
duas palavras

Calor, vento e pó
Entre nós, o deserto
Às vias de fato
Quem beber dessa água

para Ártemis, deusa da caça e da Lua

21.7.16

que range


não somente another brick in the wall
mas engrenagens da máquina

para Tiago Alves

cada pessoa é uma pessoa


no Jogo da Vida

Ballerina


Fluída
poderosa
Tem força nos pés esse poema

"Recipe to become a ballet dancer"

Força e graça
como em Maria Maria do Milton

O bailarino é flamenco
mas quem dança é uma Mulher do povo

17.7.16

Cabeça de Luz


Aurora
Auréola
Coroa

Moscatel


zumbido de abelhas
doce melodia de
uva ao céu da boca

pêra de inverno
mel de almíscar
figo e maçã
pêssego damasco

festival de frutas
aroma de flores
do latim, pianae

gotas de vinho
néctar de deuses
como bolhas espumantes

11.7.16

Proposta indecente n. 57


"-Ei, vamos apagar a tocha olímpica?"

-Você pega essa tocha. E sabe o que cê faz?

22.6.16

Sol em Câncer


dura e molhada por fora
como pedras do mar

quente e mole por dentro
magma da vida

21.6.16

Pra dentro de você


Me pinta
com essa tinta
que uma hora eu
pulo da tela

Gato de areia

Mar das dunas e oásis do deserto, o corpo dela. Paredes caiadas do cinturão de casas com pergolados cobertos de parreira. Palmeiras e cachos de tâmaras. O intenso comércio e agitação da cidade imperial.

Ele entrou pela janela de marfim branco daquela torre moura, com cume apontado e arredondando gorda conforme chegava ao tronco regular, a dois terços de altura, para depois afinar um pouco, como a cintura que vai do ventre às ancas, Mashrabiya. O corpo levemente declinado, as mãos segurando nas bordas unhas e patas de gato preto o gesto lento e confiante, da escuridão se lança e os olhos brilham infinitas partículas de luz, passando na fresta trançada de um lugar fresco, Muxarabi.


Entrando pelos poros como de um palácio a pele, burlando toda a severa vigilância, dando esquivas e voltas, desaparecendo e a surgir tornando, como testemunha oculta, do alto da torre um pássaro observa cúmplice o gato preto andando no telhado.

Entrou junto com as borboletas amarelas de um fim de tarde, pela fresta que bebe a luz solar, logo mais vai se derramar na lua. Mas não agora, pois observa tateando com os olhos a rainha que dorme esguia na macia cama forrada de nenúfar, paxá de harém, no centro de um aposento de pedra terrosa polida, cor de bronze mármore, algo tão macio convertendo-se em entorno sólido, nos quatro vértices trepidam tochas de fogo ouro.

O ladrão lembrou-se então da sua própria casa de outrora, aquela grande tenda, o formato de oca, que sua família erigia e desmontava de tempos em tempos. Épocas de permanecer, momentos de partir. Mas isso foi uma de mil e outras histórias. No que ele se concentra agora é na face vulnerável da vítima que dorme entregue, rainha em seu esplendor. É que para os sonhos e a morte somos todos iguais, realeza e plebe. E o ladrão não se furta ao receio da rainha acordar, de tentar seduzi-lo, ou mesmo com seu cetro ordenar matá-lo. Ele não tem um trabalho a cumprir, nem uma missão a realizar. Mas tem fome de sonhos. Gosta de devorá-los, sorvendo-os até dissolverem e virarem mistério. Carece de sentir deslocar-se no seu corpo os sonhos líquidos da vida de outrem. Tem gosto pela fome, o gato preto que sente a respiração quente e doce da rainha enquanto a observa, nariz a nariz, e ama expelir.

A rainha acordou pouco depois como num susto, suada e algo ofegante, toda molhada no meio das pernas. O incenso ainda a queimar, inebriando o ar com seu aroma cítrico na noite que raiava.

18.6.16

Brasil


Ficção nacional
território constelação

16.6.16

luta de óculos


a questão é destruir a fraqueza
do seu adversário (corpo)

antes que este destrua a sua (visão)

15.6.16

Urbanismo tático


Perto e longe ao mesmo tempo
por quê

atravessar a avenida
pode custar a vida

para Carolina Guido

22.5.16

Truco


Primeiro a gente blefa
Depois guarda a carta no monte

21.5.16

Teia




uma aranha faz rapel
na frente da tela
malabariza

12.5.16

Coragem


Na estrada da vida
perigosa
corpo

Carruagem que me carrega

Robamonte


apelido de infância
territórios poéticos
rouba versos da vida

no final ela pega tudo de volta

Desanuviei


Da escuridão do meu cérebro
uma luz entrou pela lateral esquerda
por uma janela de sótão
o dia nasce lá fora

aqui dentro

ao pé do ouvido


beleza soberana
delicada força

Cangote é cama de gato
Nariz fungando

um chêro bom

Ana Grama


Respeito
à espreita!

10.5.16

A.político


Anarquista

8.5.16

Voyeur


olhar na fechadura
encontrar a chave

Sina
Satisfação

ou antes


a vida é uma infinita possibilidade de amor

Dança do universo


meu Sol é um signo móvel

Divino manto


por cima da nudez
um vestido branco

por baixo
canto eterno

6.5.16

Acácia Mimosa


de outono a luz
da tarde o fim
carros barulhando
canto de pássaros

delicadas flores

O pavão misterioso


Abre a cauda em silêncio
noturno

quando surge
a luz da lua 
em pratas cores

teus olhos

Verão

duas cidades


uma é espelho e sarcófago
a outra, labirinto e arruaça

3.5.16

de Aquiles


tanto lugar pra olhar
e olham justo pro meu calcanhar

27.4.16

Sendas


A cicatriz no coração
é uma fenda aberta na cabeça
por onde escorrem jorram

26.4.16

Casa da boemia


o furdunço do bar
também é uma forma de lar

Pisando no breq


no sapatinho
que a ladeira da vida é braba

24.4.16

Iluminação genital


A chuva que cai do céu
É uma deusa mijando na nossa cabeça
Pingos de luz

Zênite

22.4.16

nada recatada


a lua está maravilhosamente gorda
bela
e amarela

19.4.16

A bela russa


Polaca
à dieta das batatas, acostumada
dos tempos das vacas magras
cortavam ventos frios
de inverno a terra natal

Então hoje em dia
peidava naturalmente
sem fazer pose ou se encabular

Mas tão bonitinha
e a bundinha tão arrebitadinha
que ele morria de tesão

Trepavam sempre que ela peidava

Epifania


quando o povo vira massa
a Era das multidões
chega ao fim

não é pena, é pêlo


eu sei que meus braços parecem asas, mas

Devires


processos que findam
tornam-se
produtos

processos intermináveis
permanecem

Caboclinha


o nome da criança

a bebida derramou-se


o Santo e sua parte

Minha grandeza


Na baía da Angra dos Reis
Entrei na madrugada do mar
pra buscar um poema
(de sonhos futuros):

Boiando na água do mar
na escuridão da noite
o céu estrelado

Na pequenez do mundo
Encontro

Borboletinha


os olhos
batem asas

beleza que avoa
insustentável leveza

69


Geminianos
Peixes

Canceriana
Entrega

Jamanta


No mar
Arraia
graúda

Miúdo
Humano
no sapatinho


5.4.16

Canhesca


Barriga de cobra
só sai do chão
pra dá o bote

3.4.16

os Segredos


também são uma forma
de Mentira

Ilusão
mundo Saha

a carne por debaixo
da pele os ossos
a foice a ceifar

o desejo de reinar
a Verdade por debaixo do panos
a venda nos olhos da Justiça

Leitmotiv descoberto

1.4.16

Dislexia


tava escrito
"viga-mestra"

meu cérebro leu
"espinha de peixe"

29.3.16

Costureirinha


de Estrelas
para ela

universo paralelo

27.3.16

o Cúmulo da contradição


a palavra Ênfase
sem acento

(mas também
idéia
vôo
cú...)

()

Odisséia

A boa cerveja


É uma substância mágica
algo que nos dignifica
como divindades do universo

24.3.16

Encabulado


Quando sua professora pega o trabalho
rasurado da sua mão
olha bem pr'aquele trecho
escrito com garrancho
palavras estranhas
e pergunta:
que qué isso?

Ao que respondo:
não, deixa pra lá,
isso é só poesia

para Angélica Benatti Alvim

SoneTotem



Gêmeos duplo
tapete mágico
Aladin ébrio
salto alto

Ela tôda
folha sêca
porta aberta
entre'frestas

Gato e(P)reto
Onça pétrea
Tatuagem Fênix
sombra Falo

Ato falho
Tocaia Grande
Assim eu falo
quase calo

"quase que eu fiz um soneto"