31.1.17

Marte


de dia, casa de barro em solo árido
a barraca armada no deserto
máquina de guerra pululante

à noite é a coisa oculta e mágica
o escorpião escondido na parede
de tocaia palavra e ferrão

28.1.17

como placas tectônicas


na Cidade
as forças se movem políticas
os fluxos rompendo sólidos

a água rachando a rocha
concretas frestas

em meio ao mar
brota magma terra

27.1.17

Atravessado pelo destino


Saí pela tangente
a pedra no meio entre
um bonde chamado Desejo
e a vã Filosofia


enquanto houver espelho


eu quero olhar para os seus olhos

as Luas de Júpiter


Todas elas
minha vida

suas fases
Transformação

Eu sou dragão


e como o Sol
Eu cuspo fogo

e voa Nuvem
e chove o choro 

a água lava
na noite escura

o dia escorre
eu Soli(n)dão

Direito à informação


liberdade ar rarefeito
Caminho de pedras e pés descalços
uma praia improvável

Suicídio indesejado
a queda funda
desfecho rápido

E uma coroa de espinhos

para Marco Aurélio Carone, Vladimir Herzog e Anísio Teixeira

Meu Pai


O velho e o menino habitavam
ao mesmo tempo o corpo e a alma
daquele homem

ao mesmo tempo rio caudaloso
e farto açude
em cima da canoa
o corpo ereto e o remo longo

uma terceira margem

a terra sêca e o radinho de pilha
o pomar e o curral
habitavam

até que
quando a terra parou
ao mesmo tempo

pai e filho soltaram a voz

para Luiz Gonzaga da Silva, Evas Carretero e José Carretero Teixeira

18.1.17

Spray


o pixo escrita muda, a voz dos que nada falam, mas anseiam "me leia", "decifra-me ou devoro-te", poderosa esfinge e tu pedra, você leão eu sou a selva. emudece teu grito, leves anseios, queda tão livre, vida tão bela, breve, rápida, a de fazer o que se quer, a de pixar uma parede

13.1.17

Aldebaran


o olho do Touro
é a estrela mais brilhante

10.1.17

o choro é líquido


às vezes cessa o choro
que em pedra se fecha
às vezes se chora até secar
às vezes disfarça

os olhos vermelhos
também carapaça

para Zygmunt Bauman

9.1.17

o (bom) teatro


É uma máquina de guerra por excelência. Porque, imagino, tem que haver um ótimo consenso entre seus participantes, artistas, direção, figurino, iluminação etc, sobre aquilo que se vai apresentar, tem que se colocar as cartas na mesa todas, do coletivo, um jogo micropolítico, toma lá da cá, de barganhas, a fim de ver qual é a moral da história - aos vencedores as batatas (Tchecov) ou tudo acaba em pizza (Veríssimo). Sob o risco de, não o fazendo, dizer o que pensa, inviabilizar-se a pessoa artística, ou seja, aquela que, em essência, deve expressar-se livre, plenamente (apesar e a partir de todas as condicionantes contextuais). Para que assim, a máquina de guerra do monólogo ou da companhia circense cigana e teatral faça o que tem que fazer de melhor: ritualizar o passado, celebrar o momento presente e, principalmente, transmitir uma mensagem ao Público, numa semente de futuro. Independente de causar êxtase ou asco, dependendo de quem o sinta, o ritual deve ser cumprido, e o espetáculo tem que continuar. Essa é uma palavra de ordem, e um convite à sua subversão.

7.1.17

Mundo


Nave
Abismo
Roda moinho

Globo celeste
Mar
e Terra

Partícula atômica
Núcleo
bola de Fogo

Ar
Etéreo
Vento e maré

Viagem sideral
Paz
e Guerra

4.1.17

Complicado


entre 8 ou 80
eu sou 44

Kundalini


Nó de marinheiro
Molhado
Duas serpentes
Enroscadas

Medusa
Ofíuco
Andrômeda

do Céu 
As divindades testemunham
A jornada

serpenteando pelo corpo descontrolada
chuva de gozo

na fresta oportuna do momento
Fogos de artifício

Do buraco da minhoca
às explosões intergalácticas
de chakra os fluxos
Embrenhados de karma

Uma terceira carta
Certeira flecha
A bela e a fera
O desejo e a palavra

Na sola dos pés
Passando por todos os poros
dilatados absorvem

a polpa e o suco
Exalam
perfume

Narina
língua
molhado toque

A cachoeira do corpo
dragão ascendente
à luz da lua
As carpas nadam

Rastejando e lambendo
Como uma cobra
a terra roxa
a relva turva

Adormecida na lombar
Acorda

A flora
A voz
olhos mudos como bocas
orações cantadas

A conquista do prazer
em meio a um campo de guerra

Do deserto ao mar
dobrar os joelhos
submergir e ascender

Ter fé
Num rabo de saia

1.1.17

Luz interna


Lembrando agora de uma situação muito antiga, final da década de 90: era bem xofem, indo do metrô para para casa, voltando de alguma balada, o sol nascendo, o bek em brasa. Encontro com um sujeito de bike, negro, de óculos, magro, expressão séria, pensando agora diria que parecia o Cartola (naquela época em que fumar na rua implicava trombar malandros de toda ordem, ceder ou pedir um "pega", ouvir uma história qualquer), ele me conta que trabalha no Instituto Médico Legal - IML, no centro, e que vai e volta todo dia de bike (dali do fundão da Penha, naquela época não tinha ciclovia), que trabalhando todo dia com gente morta queria mais é se sentir vivo, e naquela alvorada o Sol nascia mesmo era de dentro daquele homem.