6.6.18

Sépia


Tentar escrever de uma forma poética o que eu sinto: sua ausência e sua presença. Podem a memória e a lembrança serem atributos suficientes para superar essa lacuna, essa fresta enorme, do tamanho do mundo? Abismo. Às vezes me sinto tão pequeno. Olho para as crostas amareladas de recife coral, pedras que cortam, os braços estendidos para frente, as palmas das mãos abertas, de onde nascem flores brancas: “prenda-me!, pegue-me! rendo-me”. Não, ainda não sarei. Perpasso os cantos da minha memória labiríntica em busca da cura, essa força manifesta da tal Casa 12 onde calhei de me encontrar, como um barco encalhado que já teve sua vez em alto mar, e agora espera renascer, como os rios da nossa cidade. Mas a calha e o cais talvez sejam o destino comum para todos nós, barcos, pessoas e rios, como as baleias que escolhem a praia como lugar de morte: não, elas não querem ser empurradas de volta, não pararam ali por acaso, logo elas, rainhas do alto mar, que conhecem as correntezas e fluxos do outro lado da vida à fundo e melhor do que ninguém. Elas não se esforçam para saber que mesmo o inevitável é sempre uma escolha. E, na sua sabedoria, ainda nos fornecem uma última mensagem secreta: o abismo não se deve olhá-lo nos olhos, sua força gravitacional é deveras pesada. Mais vale pensar em poemas e encantarias. Só que tudo que é proibido é mais gostoso. As proibições servem apenas para afastar do prazer, mesmo que este seja dolorido e sôfrego. Penso em você todo dia, todo santo dia, vai ser assim por um bom tempo, já me conheço o suficiente para saber. Ano passado foi assim também? Eu achava que tinha conseguido me desvencilhar, mas era doce ilusão, eu sabia, pois havia aquele átimo de fio fino e brilhante que me ligava à você quando via aqueles sobrados velhos grafitados, qualquer coisa bonita, cheirosa e gostosa, lá do outro lado do mundo. Mas para os raios nos pés de Hermes e os raios nas mãos de Zeus as distâncias não são nada além, voam muito além das gaivotas. E mesmo com um oceano de distância você me escreveu de novo, e a bolha explodiu: ploc. Toda vez que você me escreve sinto um fervilhar dentro de mim, eu borbulho, lava escaldante, gato escaldado, banho Maria, sou assim quente, fazer o quê. Talvez você seja isso para mim, uma presença oculta que me aquece, onde, em outro lugar, tu é realidade presente, soberba e manifesta, forte, doce, densa, salgada, um milhão de sabores, como terras e águas. Só de pensar em você já me regojizo, talvez seja isso, eu amo respirar. E se, por um acaso, de alguma forma gosto de te enxergar assim tão longe, meu duplo, é porque sofro por lembrar que, quando estive tão perto, por vezes, me desesperei profundamente, e não soube respeitar o lugar, apreciar a vista, esperar simplesmente... pois na verdade a distância não é nada, daqui até o fim do universo um fóton de luz atravessa rápido. Espero que esteja bem. Espero por você. E escrevo para te encontrar.