Pequena nota sobre a Ditadura
atualizada, escamoteada na dupla isenção (legitimação do discurso) entre mídia
corporativa e polícia militar. Sobre o anti-carnaval e o super-bloco de rua: a
antítese do pensamento único do espectro da câmera da TV, um registro oco e mal
contado, contra uma vivência rica, participativa e protagonista do fluxo de
cidadania urbana.
Vejo uma reportagem (cobertura +
edição) da funesta emissora Record de televisão (parte de um grande lobby
evangélico) sobre a manifestação de ontem contra o aumento da tarifa no
município de São Paulo (23/01/2015). A manchete da reportagem: “policiais foram flagrados usando um skate
para agredir um manifestante” [1].
Como participei do ato, chuto presença de 10 mil pessoas (100%), que iam e
vinham conforme o deslocamento da marcha. O ato contou com pessoas de vários
segmentos sociais e das faixas etárias mais variadas, ainda que com a
predominância de jovens (18 a 25 anos). Chuto ainda a presença de 100
"black blocks" (1%), entre punks, heavy metal e policiais infiltrados
(P2)...
Nesse contexto, chama muito a
atenção justamente a edição feita pela citada emissora. Começa mostrando CENAS
NOTURNAS de uma pequena guerra civil, onde uma polícia "acuada" (que antes havia margeado o
ato inteiro, pela frente, pelos flancos e por trás), utilizou-se desse ou
daquele armamento para dispersar a MULTIDÃO. Logo na sequência, a já dita
manchete, de 1 (UM) Black block apanhando do seu próprio skate, numa rodinha de
cerca de 8 (OITO) policiais. Arte marcial? TRETA DE RUA MANO!
Cortando para o conjunto da manifestação (3 mil pessoas, segundo a PM) praticamente só gente vestida “a caráter” (edição= corta e costura): estandartes e acessórios pretos, mascarados, a narrativa enfatizando o “pânico” instaurado: a queima de uma bandeira do Brasil - crime previsto em lei, e o vandalismo sórdido da quebra de algumas vidraças de agências bancárias (grandes devedores de impostos), à famigerada conclusão do ato, COM VÁRIAS BOMBAS E TIROS distribuídos pela polícia. “Mexeu comigo é só tiro porrada e bomba!”[2]
Cortando para o conjunto da manifestação (3 mil pessoas, segundo a PM) praticamente só gente vestida “a caráter” (edição= corta e costura): estandartes e acessórios pretos, mascarados, a narrativa enfatizando o “pânico” instaurado: a queima de uma bandeira do Brasil - crime previsto em lei, e o vandalismo sórdido da quebra de algumas vidraças de agências bancárias (grandes devedores de impostos), à famigerada conclusão do ato, COM VÁRIAS BOMBAS E TIROS distribuídos pela polícia. “Mexeu comigo é só tiro porrada e bomba!”[2]
Na segunda parte da reportagem,
mostra-se o começo da manifestação, à tarde em frente ao Teatro
Municipal que, organizada pelo Movimento Passe Livre, ritualizou o ato com a
queima de uma catraca. Como ainda é dia, vê-se o rosto de todo mundo, as cores
não são predominantemente preto, mas vermelho e amarelo de tecidos e todo tipo
tom de pele. Segundo a emissora, o dito confronto, teria começado cerca de três
horas após o início da manifestação que “por onde passou, deixou um rastro de
vandalismo e sujeira”...
Ora, A linha narrativa dessa
edição, que espetaculariza e enuncia uma significação para o ato, estranhamente
prefere contá-lo ao avesso, começando por um fim perverso, indo para um começo insosso e indiferente, e simplesmente ignorando todo o processo da manifestação, ou seja,
as três horas de marcha em si. Pois bem, que se registre apenas a
multiplicidade de gente andando junta, batucando, cantando e conversando os
assuntos mais diversos possíveis. Da grande beleza que é andar e estar junto no
centro histórico de uma ci-densidade como São Paulo, “terra da garoa”.
Pois que se registre que essa
marcha, que saiu do Teatro Municipal, avançou pelo Viaduto do Chá, exatamente
uma semana depois de ter sido escorraçada pela polícia em ato da mesma
natureza. Registre-se que, tendo avançado pelo viaduto, atravessou o vale do
Anhangabaú, o vale do rio escondido por um túnel, escondido por um parque, o
espaço da cidadania por excelência em contradição com o espaço da divindade, o
maléfico Anhangá. São Paulo não conhece limites em lidar com seus desejos, sua
sede e suas contradições. São Paulo de Piratininga, Terra do Peixe Sêco.
E registre-se que, tendo
“perdido” batalha também após grande marcha, grande pequena história ignorada
pelos bustos do corporativismo, tal marcha voltou a se reunir, traçou caminho e
bateu o pé. E bateu tambor. E virou as costas ao prédio da Prefeitura,
legitimação do poder instituído do anarco-capitalismo de Estados (divisão
internacional do trabalho) das famosas e moribundas e exclusivistas PPP – Parcerias Público Privadas, um partido no qual todos, absolutamente TODOS,
participam, seja para ser protagonista, seja para ser excluído...
Mas registre-se e acentue-se o
negrito de que tal marcha virou às costas ao poder instituído, ao menos por
hora, pois como se viu os difamadores oficiais contaram de antemão aoesperada
desejo da marcha, que tendo dado a volta no centro, sempre cercada pela polícia,
justamente queria atacar a Prefeitura “por trás”, veja só que maldade. Por
outro lado, a mesma volta fecharia um ciclo, cheque-mate, e isso o poder do pensamento
único não tolera, nem em ato nem em poesia, pois se o ato é impedido a poesia
não pode ser manifestar. Engana-se muito o poder instituído...
Tendo pois dado as costas ao
poder instituído, a marcha avançou decidida pela Praça do Patriarca, sob seu
grande pórtico voador – grande ave empoleirada estrutural, sua pequena igreja
de Santo Antônio, seus arranha-céus, um deles inclusive ocupado por pessoas que
reivindicam o direito à moradia, mas isso é outra história.
E registre-se sobretudo que a Marcha, esquerda da gema, radical, “a la sinnistra” – “vai Carlos, vai ser gauche na vida” [3]. avançou pela Rua Direita, virou no Largo da Misericórdia, Rua do Tesouro, e desembocou na Quinze de Novembro, dando de cara com o “Pateo” do Colégio, São Paulo colonizadora por excelência. Avançou pela Quinze, virou na João Bricola, passou pela Praça Antônio Prado, foi pela Boa Vista e foi virar lá no Largo São Bento...
E registre-se sobretudo que a Marcha, esquerda da gema, radical, “a la sinnistra” – “vai Carlos, vai ser gauche na vida” [3]. avançou pela Rua Direita, virou no Largo da Misericórdia, Rua do Tesouro, e desembocou na Quinze de Novembro, dando de cara com o “Pateo” do Colégio, São Paulo colonizadora por excelência. Avançou pela Quinze, virou na João Bricola, passou pela Praça Antônio Prado, foi pela Boa Vista e foi virar lá no Largo São Bento...
E que se registre-se e louve-se
em vindouras contações de histórias que, entre a Rua Quinze de Novembro e a Rua
do Comércio, quando a Marcha margeava o Largo São Bento, na terra da garoa caiu
O MAIOR TORÓ DE TODOS OS TEMPOS! E a Marcha seguiu intacta, invicta e batizada por São Pedro e louvada devidamente por Xangô, Tubinambá e todas
outras divindades fazedoras de chuvas e tempestades, que dos vários raios que
transcorreram vibrantes e mortais, em nós nenhum caiu. Orações não faltaram! E
registre-se o frio, os corpos de vestimentas encharcadas, calças, bermudas,
camisetas, blusinhas e shortinhos, os tênis, sapatos e meias, e os vários guarda-chuvas
que também abriram, às poças d’água...
E registre-se que a Marcha
margeou novamente a Praça do Patriarca, essa já outra, mudada pelo fim de luz
do crepúsculo, chegou na Praça do Ouvidor, atravessou o Largo São Francisco e
embicou na Cristovão Colombo. Entrou na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, o
crepúsculo já cerrando noite. E que a Marcha, tendo sido impedida de subir a
Brigadeiro, foi desviada – em concordância com a diretriz policial, diga-se de
passagem, à Rua Maria Paula. Nessa hora escapuli pelo cerco policial, já
pretendia fazê-lo. Pois tanto constatei que a marcha ia passar em frente à
minha casa, na Maria Paula com a São Luis (Viaduto Jacareí X Viaduto Nove de
Julho), como uma mais-valia na hora de fazê-lo: queria por uma roupa seca, pitstop oportuno, privilégio da
circunstância.
E registre-se que vi a Marcha
passando alegre e soberana, ainda que cercada, vi de cima, da janela do meu
quarto, enquanto trocava de roupa e cantava junto o que ouvia lá de baixo, da
cidade baixa. E eis que, tendo trocado de roupa e dado sequência à caminhada,
vejo, do Viaduto Nove de Julho, uma esquadra passando com cerce da
20 viaturas, POLÍCIA OSTENTAÇÃO, e virando na Xavier de Toledo. Fui para o outro lado, perdi o fim do bonde, vou comer um PF, já vi essa cena em
outros carnavais. Dessa vez poupo-me...
Isso posto, contada a narrativa
em sentido histórico, micro, um outro ponto de vista, problematizo uma última questão, ou antes um problema último, que a factoide reportagem deixou vazar:
a queima da bandeira nacional e a queima da catraca, em meio a violência
policial. Lembrando então de Mário Quintana, que disse que “a resposta certa, não importa nada: o
essencial é que as perguntas estejam certas”, Finaliza-se essa outra
narrativa com três indagações:
1. Catraca
queimada = bandeira do Brasil queimada? Ou seja, sugerindo equivalência, é um
país a totalidade de um controle, de uma programação, de uma contabilidade “à
toque de caixa”, do qual a população “não
é mais um dado, mas uma consequência” [4]?
2. Ou
antes, catraca queimada X pólvora queimada? Ou seja, sugerindo a oposição, todo
ato que inclui a queima simbólica de um signo, esse e/ ou aquele, será
duramente reprimido por uma queima efetiva de munição, infinitamente superior,
pelo poder letal? Ironicamente, e talvez justamente, tais armas são chamadas de
“não letais”;
3. E,
finalmente, chegando a uma citação artística, Duchamp: Catraca = urinol?
Para Rui Santana,
Aniversariante do dia,
em 24 de Janeiro de 2015,
junto às comemorações
do aniversário da cidade