Ninguém conhece o Brasil. Tenho certeza disso. Ou ele foi
jantar na casa de alguém? As pessoas se sabem brasileiras, a nacionalidade do
seu RG está lá para comprovar isso. Muitas vezes sentem amor à pátria, esse
ente soberano, além de amor próprio, claro. E idolatram a bandeira desse ente
soberano, e, se necessário, respondem ao seu chamamento, seja lá quem tocar a
trombeta. Mesmo assim ninguém conhece o Brasil. O Brasil é irreconhecível. É o
que se quiser que seja. E é possível reduzi-lo ao tamanho de um mapa, aquela
forma que, mais ou menos, todo mundo conhece. Não conhece? Há, pois bem, tome
aqui uma bandeira, hás de lembrar, verde, amarelo, azul, uma faixa branca,
algumas estrelinhas, mesmo que não saiba ler há de reconhê-la, leio pra ti o
que está escrito lá, repita comigo: “Or dem e Pro gre sso, ordem e progresso,
ordem e progresso.
Os comunistas não, são como os judeus, uns com suas
bandeiras vermelhas, machados e foices outros com suas estrelas de Davi, e as
Torás embaixo do braço. Brasileiro não! Se for católico, sabe que a matriz fica
em Roma, se for protestante, na Inglaterra e EUA, e se for evangélico
pentecostal, melhor ainda, que a matriz é o Brasil mesmo.
Mas ninguém sabe o que é o Brasil, ainda que desse imenso
território possa se fazer essa ou aquela teoria, da mais sofisticada e profunda
à mais rasa, tacanha e superficial, e todas tem uma recapitulação histórica,
todas contam histórias, com valores e personagens diferentes, e todas sabem
muito bem o que contam e o que deixam de falar, o que deixam de fora, cortam e
colam pedaços de coisas numa idéia de Brasil, de pátria amada, esse lugar em
que todos que amam essa nação, seja lá o que ela for, pertencem. O Brasil se
mistura a idéia de terra natal, de lugar de pertença, ainda que esse ou aquele
lugar que possamos reconhecer assim não tenha sido assim no passado, e também
não o será no futuro.
Mas ninguém sabe o que é o Brasil, mas é possível conhecê-lo
melhor, e isso de duas formas. Uma é na prática, como os caminhoneiros e
andarilhos, que por necessidade e errância cruzam as fronteiras internas do
país, percorrendo-o de norte a sul, de leste a oeste. Fronteiras não são linhas
divisórias ou muros, o nome disso é prisão, fronteiras são distâncias,
profundidades, uma noção do tamanho da terra. Conhecer as distâncias, e tudo o
que muda ao percorrê-las, os hábitos, os sotaques, os lugares, as pessoas. Tudo
muda.
E a outra forma de conhecê-lo é pelo ombro dos gigantes, e
ai concorrem monumentos e estátuas, como Jesus Cristo e Borba Gato, com pessoas
comuns, intelectuais e populares, como Darcy Ribeiro e Carolina de Jesus.
Pessoas estas que organizam o território através da fala e da palavra escrita,
e que dão forma mesmo ao Brasil a partir de tudo o que de fato é, essa
infinidade de coisas, mas coisas que podem ser mesuradas, não só sob a lente de
uma moral qualquer, da vigilância severa e dos cifrões do lucro, também por
isso, mas pela sistematização de tudo aquilo que é documentado, registrado,
sejam os livros de cartório ou a famosa foto com as cabeças do bando de
Lampião. Mas o Brasil não tem forma fixa, é um monstro mutável e mutante, como
uma grande baleia está para o mar. Graças a Deus, a Virgem Maria, a todos os
santos e santas e Orixás. E Tubinambás.