29.11.17

as duas pinças da Tempestade


Júpiter Tonans
Thundering Jove
Amor arrebatador
O que faz trovejar

A eletricidade
Energia liberada
Do rio represado
Águas passadas

para Asa White Kenny Billings

Contentamento


Recompensa por um esforço
reconhecimento da Dádiva

para Mariana Puglisi

27.11.17

Igarapé na selva de pedra


Achei o último Igarapé no fundo do meu coração e nele lavei minha alma

Simone Sapienza Siss


A produção de um vídeo é o Exercício final proposto para a conclusão da disciplina Urbanismo e espaços públicos: interpretações e projeto, ministrada pelos professores Luis Guilherme Riviera de Castro e Igor Guattelli. Neste roteiro, serão elencados alguns tópicos da disciplina para embasar a proposta do vídeo, que irá registrar um percurso de uma série de espaços públicos no centro de São Paulo, com tempo de cinco minutos.

Mauro Caliari e o ato de flanar pelo espaço público, lugar de temporalidades distintas e sobrepostas. Fernando de Mello Franco e a visão transversal do território, conectando os pontos em busca de visão eficaz da política pública como indutora de qualidade de vida urbana. O rizoma de Guilles Deleuze e Félix Guattari e as Heterotopias Michel Foucault. No texto O Pêndulo de Foucault, Umberto Eco diz o seguinte:

Em primeiro lugar, a abundância de espelhos. Se há espelho, é estágio humano quereres ver-te nele. Mas nestes não te vês. Tu te procuras, buscas tua posição no espaço na qual o espelho te diga "estás aqui, e és tu mesmo", e acabas te danando todo, te aborrecendo, porque os espelhos de Lavoisier, sejam côncavos ou convexos, te desiludem, escarnecem de ti: arredando-te, tu te encontras, mas depois te deslocas e te perdes. Aquele teatro catóptrico fora disposto para tolher-te toda identidade e fazer com que te sintas inseguro de teu lugar. (...) E te sentes não apenas inseguro de ti mas igualmente dos objetos colocados entre ti e outro espelho.

Mas como ver a si mesmo? Ou antes: como se ver refletido no espaço público? Essa a questão inicial colocada por Foucault na Hermenêutica do Sujeito, e é a questão que Sócrates faz a Alcibíades: quais cuidados deve observar sobre si para que possa governar a cidade? Inversamente, olhar no espelho é ver o outro, o que está fora, como o reverso de si mesmo. O ciclo seria então como a realização daquela certeza que, frente ao espelho, existe apenas como reconhecimento da dúvida.

Então, no vídeo, a primeira cena aponta para um lugar que, se verá, de chegada, para o fim do vídeo; e a última cena, no lugar de chegada, observa-se o ponto inicial, onde tudo começou. Haveria, nesse sentido, uma consistência do início ao fim, bem como uma espécie de ritornelo, onde tudo pode ocorrer novamente, ainda que nada seja exatamente a mesma coisa.

O vídeo se dará em plano contínuo e irá enquadrar uma série de elementos urbanos e humanos justapostos. O percurso do vídeo demonstrará a relação cambiante entre estes elementos e suas propriedades topológicas, as quais constituem diferentes densidades e ritmos de um mesmo continuum de espaço público.

Sobre o áudio, a idéia é falar os nomes próprios dos elementos e discorrer sobe toponímias e afins conforme estes forem sendo filmados. Essas nominações seriam como os pontos que o plano contínuo do vídeo vai costurar, Connecting the dots. O percurso visual do vídeo, uma heterocronia, tanto mais vai variar em densidade e ritmo conforme varie o áudio agenciado: uma coisa é agenciar uma narração, outra é agenciar uma música, outra seria o vídeo mudo. Cada agenciamento específico vai gerar diferentes reverberações, como as ampli[ficções] de Carlos Marchi nas polikatéias de Atenas.

Desse modo os pontos são os seguintes: Cobertura do Condomínio Viadutos, Estadão Lanches, banca de Jornal, ponto de Ônibus, porta giratória de banco, calçada da Mithes Bernar, Viaduto Nove de Julho, parapeitos, pixação, Avenida 9 de Julho e Córrego Saracura, Viaduto Major Quedinho, Praça da Bandeira, Graffitti da Simone Siss, sinalizações, carros, praça, cruzamento, Rua Santo Anônio, Praça General Craveiro Lopes, Bar do Alemão, portão, porteiro, hall do prédio, lustre, elevador, câmera, terraço, mirante, banca de jornal.


22.11.17

Brevidade


Ouço tua voz gravada no celular. Poucos segundos. É uma pequena parte sua, de você, e cada pedacinho tem tanta graça! Ouço tua voz como quem volta para casa. Me pega de susto às avessas: o coração, ao invés de disparar, acalma. É noite alta, mas ouço sua voz e me assaltam poemas de rios que rumam ao interior longínquo, antes de voltar para o mar, noites frescas de cascatas, estar com você junto ao lago, noite quente, estrelada, todas essas cenas que inspiram água, espelho de ti no qual mergulho. Ouço tua voz e sinto tua língua, boca, nariz, o cheiro quente do teu corpo, tua respiração me anima, imaginá-la ofegante, me transformo em corvo, tenho vontade de voar até você, roubar presentes bonitos e brilhantes, ofertá-los aos seus pés, em seguida massageá-los, com mãos fortes e delicados toques. Tua voz me comove, em meio ao barulho das máquinas, poucos segundos, mas por hora aguardo o intervalo entre o cessar das engrenagens e a possibilidade de te ver, de olhos fechados, ouvindo mais uma vez a sua voz. A Lua em Peixes faz trino com Sol e Júpiter em Escorpião, e o silêncio encontra o sonho, em meio ao dia, no presente da sua voz, a vontade de te ver é uma delícia que a panela do tempo cozinha, ponho água no feijão.

original de 31 de outubro de 2017

18.11.17

Temeridade


A imagem pode conter: atividades ao ar livre

o bandeid na chaga aberta
para estancar a sangria
de um corpo acéfalo

12.11.17

Dia de finados


Só para lembrar uma cena do dia 2 de novembro de 2017, que já passou mas não pode passar em branco, estava com mamãe e papai na mesa da cozinha, papo vai papo vem, e papai e mamãe cada qual, declamam poemas que ouviram do Mário Sérgio Cortella, num programa da CBN: "quando morreres, levarás apenas o que tiveres dado", de um poeta iraniano do século X, algo assim; um do Drummond, sobre o andar torto do individuo devido ao peso dos seus mortos; e um do Quintana, epigrafe da sua lápide: "eu não estou aqui". Eu, que não tinha me preparado para o sarau, envergonhado só pude recitar as duas frases de Paulinho, completando o samba de Wilson Batista, que estou estudando: "o meu tempo é hoje, eu não vivo no passado, o passado vivem em mim". É isso, só pra registrar.

para Valleria Lauriiuty

11.11.17

Filhos de Vênus




Minha mãe, professora de música
Meu pai, engenheiro das águas
Música que aquece o peito
Água que flui o espírito

Touro, que exalta a Lua
Libra, que exalta Saturno

para Luiz Gonzaga e Lenilélia Abbamonte da Silva

Pedofilia às avessas


às vezes estou escrevendo algo, e sinto uma consciência narrativa na condução da passagem, e percebo rapidamente que não sou eu, mas estou sendo carregado pela mão como uma criança o Saramago que mora em mim sauda o Saramago que mora em ti dizer te amo


para Maikon K

Bumerangue Brasil


Ninguém conhece o Brasil. Tenho certeza disso. Ou ele foi jantar na casa de alguém? As pessoas se sabem brasileiras, a nacionalidade do seu RG está lá para comprovar isso. Muitas vezes sentem amor à pátria, esse ente soberano, além de amor próprio, claro. E idolatram a bandeira desse ente soberano, e, se necessário, respondem ao seu chamamento, seja lá quem tocar a trombeta. Mesmo assim ninguém conhece o Brasil. O Brasil é irreconhecível. É o que se quiser que seja. E é possível reduzi-lo ao tamanho de um mapa, aquela forma que, mais ou menos, todo mundo conhece. Não conhece? Há, pois bem, tome aqui uma bandeira, hás de lembrar, verde, amarelo, azul, uma faixa branca, algumas estrelinhas, mesmo que não saiba ler há de reconhê-la, leio pra ti o que está escrito lá, repita comigo: “Or dem e Pro gre sso, ordem e progresso, ordem e progresso.

Os comunistas não, são como os judeus, uns com suas bandeiras vermelhas, machados e foices outros com suas estrelas de Davi, e as Torás embaixo do braço. Brasileiro não! Se for católico, sabe que a matriz fica em Roma, se for protestante, na Inglaterra e EUA, e se for evangélico pentecostal, melhor ainda, que a matriz é o Brasil mesmo.

Mas ninguém sabe o que é o Brasil, ainda que desse imenso território possa se fazer essa ou aquela teoria, da mais sofisticada e profunda à mais rasa, tacanha e superficial, e todas tem uma recapitulação histórica, todas contam histórias, com valores e personagens diferentes, e todas sabem muito bem o que contam e o que deixam de falar, o que deixam de fora, cortam e colam pedaços de coisas numa idéia de Brasil, de pátria amada, esse lugar em que todos que amam essa nação, seja lá o que ela for, pertencem. O Brasil se mistura a idéia de terra natal, de lugar de pertença, ainda que esse ou aquele lugar que possamos reconhecer assim não tenha sido assim no passado, e também não o será no futuro.

Mas ninguém sabe o que é o Brasil, mas é possível conhecê-lo melhor, e isso de duas formas. Uma é na prática, como os caminhoneiros e andarilhos, que por necessidade e errância cruzam as fronteiras internas do país, percorrendo-o de norte a sul, de leste a oeste. Fronteiras não são linhas divisórias ou muros, o nome disso é prisão, fronteiras são distâncias, profundidades, uma noção do tamanho da terra. Conhecer as distâncias, e tudo o que muda ao percorrê-las, os hábitos, os sotaques, os lugares, as pessoas. Tudo muda.


E a outra forma de conhecê-lo é pelo ombro dos gigantes, e ai concorrem monumentos e estátuas, como Jesus Cristo e Borba Gato, com pessoas comuns, intelectuais e populares, como Darcy Ribeiro e Carolina de Jesus. Pessoas estas que organizam o território através da fala e da palavra escrita, e que dão forma mesmo ao Brasil a partir de tudo o que de fato é, essa infinidade de coisas, mas coisas que podem ser mesuradas, não só sob a lente de uma moral qualquer, da vigilância severa e dos cifrões do lucro, também por isso, mas pela sistematização de tudo aquilo que é documentado, registrado, sejam os livros de cartório ou a famosa foto com as cabeças do bando de Lampião. Mas o Brasil não tem forma fixa, é um monstro mutável e mutante, como uma grande baleia está para o mar. Graças a Deus, a Virgem Maria, a todos os santos e santas e Orixás. E Tubinambás.

Derivadas da Ordem


Nenhum texto alternativo automático disponível.

e a arte escapa pelos memes
enquanto fascistas de plantão
espionam suas próprias mentes sujas
sobre a cortina de fumaça
do melhor charuto de Cuba

A benção da encruzilhada


Ontem, 9 de novembro de 2017, Fernando de Mello Franco realizou uma palestra sobre projeto e política pública, para a disciplina Espaços Públicos, Situações e Projetos, ministrada pelos professores Luiz Guilherme Rivera de Castro e Igor Guatelli. Convidado para ser secretário na gestão Haddad (2013-2016), confessou que não teve que disputar o cargo, pois a então Secretaria de Desenvolvimento Urbano era de pouco interesse quando da fatia do bolo da máquina estatal: “public policy não interessa para politics; considero isso uma tragédia”. Doravante, o que pude observar nas três horas de conversa foi um profissional dez anos mais amadurecido desde aquele trabalho seminal apresentado na III Bienal de Roterdã em 2007, Vazios d’água, e doze anos a contar da publicação da sua tese de doutorado A construção do caminho: a estruturação da metrópole através da conformação técnica da Bacia de São Paulo, em 2005.

Integrante do grupo de pesquisa Metrópoles Fluviais e discípulo de Alexandre Delijaicov, Fernando discorreu sobre a condição complexa e multifacetada de São Paulo, estruturando o seu pensamento a partir de um quadro denso e amplo de intelectuais. E desabafa quando da atuação como secretário: “quando algum adversário político queria me desqualificar, dizia que eu era muito acadêmico, excessivamente; é o cúmulo do disparate tentar desqualificar uma pessoa pela sua inteligência”.

E por que um sistema de planejamento? Encruzilhada da Ladeira Porto Geral com a Rua 25 de Março, aparentemente um retrato de balbúrdia, esse centro de alto dinamismo econômico recebe diariamente cerca de quinhentas mil pessoas, aproximadamente a mesma quantidade de turistas nas Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Cita Alfredo da Silva Telles: “desordem é um tipo de ordem que não nos convêm”. E mais, há várias ordens concorrendo concomitantemente, impondo procedimentos necessários para dar forma à organização de conflitos. Daí que se percebe: Política com P maiúsculo não é para qualquer um, ainda que cada politic jogue o jogo como melhor lhe apetecer, mesmo que seja com temperamento sórdido. O que não ocorre com Fernando, cuja perspicácia e precisão nos argumentos já pude observar em diferentes ocasiões e contextos.

E como interpretar o território? Oras, os rios e marginais de São Paulo não são exclusivos de seus munícipes, e desde a estruturação do sítio urbano pela implantação da ferrovia, na segunda metade do século XIX, observamos a ruptura com as águas como uma consequência da cidade industrial. Isso não é caso exclusivo de São Paulo e pode ser observado em várias cidades, entre estas Barcelona e Nova York. E não foram nem os rios nem as rodovias, mas antes a ferrovia o próprio elemento fundacional da metrópole contemporânea, e que transformou decisivamente as áreas de várzea dos principais rios da bacia do Alto Tietê.

E como operar o projeto? Políticas setoriais não bastam, mas integrá-las por si só também não é garantia. Para isso, duas premissas devem ser existir: possibilidade de singularização de setores específicos do território, desde que existam os instrumentos regulatórios – um cardápio de ingredientes – e mecanismos de financiamento – a possibilidade de bancá-los. Uma vez que essa costura seja feita – quem vai dar a receita é o projeto, esse posicionamento que é exigido quando o programa de determinada questão é colocado. E de foi de fato o manual de operações para tal máquina de costura foi inscrito e gravado no município com um trabalho vigoroso da SMDU, e de forma inédita, que incluiu nesse interim uma ampla participação de vários setores da sociedade, entre estes as universidades. Quem acompanhou sabe o peso que tem todo este trabalho, ainda que alguns tentem, nos desdobramentos da atualidade – essa superfície de mar revolto – destruí-lo. Todavia, ainda que tenha havido mudança radical no curso recente da administração da coisa pública, existe uma crise geracional pode ser benéfica enquanto catalisadora de mudanças. Há de se observar.

E como efetivar a política pública? A única forma de empoderar verdadeiramente o cidadão, no sentido de construção de uma consciência política, é provendo acesso à informação e transparência na gestão pública. Ainda que possamos problematizar a veracidade ou legitimidade das informações, ou como diria Adorno, questionar o pensamento pré-estabelecido que muitas vezes domina o próprio ato de pensar, a construção da consciência política passa necessariamente pelo debate público e pela pactuação de um programa de compromissos. Afinal, enquanto uma sociedade achar normal que o motorista de um veículo não pare na faixa de pedestre para a passagem de uma pessoa, o que se vai fazer? Felizmente, não precisamos ficar reféns dessa ou daquela condicionante, mas, uma vez identificada, podemos nos deslocar, para produzir intensidades e para que outras realidades possam surgir.

Como exemplo de projeto de política pública efetivado e reconhecido, foi apresentado o trabalho Conecting the dots que integrará o programa das duas próximas bienais de Roterdã, em 2018 e 2020. O projeto parte de três figuras conceituais – a brincadeira de ligar os pontos 1 2 3 4 5 etc e formar uma imagem; a ligação complicada de pontos que algum investigador precisa resolver para desvendar um crime; e a figuração de constelações na astrologia antiga para estabelecer significações coletivas – e as utiliza para analisar a problemática das bordas metropolitanas. Sobrepõem-se em tais áreas atividades rurais e agrícolas, áreas de preservação e recuperação ambiental, bem como processos de urbanização em que pesem as vulnerabilidades sociais. Considerando o papel da alimentação na história da humanidade, e que problemas alimentares afetam o desenvolvimento cognitivo e acentuam a segregação sócio espacial, foi estabelecido o objetivo de promover uma dinamização ecológica através da economia. Tendo a prefeitura como grande mercado produtor de refeições – cerca de 2,5 milhões de pratos/dia – e também o crescimento na produção de alimentos orgânicos de 26% ao ano, Conecting the dots se mostrou um mecanismo de construção da própria política pública em si, fornecendo subsídios para o incremento de uma agricultura urbana e familiar e que se encontra fora da cadeia do agronegócio, que produz a granel. Em suma, o que a aplicação desse projeto propicia é construção de outras máquinas a partir o reconhecimento das engrenagens, bem como a articulação com outras e novas engrenagens.



Finalmente, na última questão da noite, mas não menos inquietante: por que é o PCC que está controlando o processo atual de espraiamento urbano em São Paulo? Porque, assim como as milícias do Rio de Janeiro, é uma rede que funciona fora da máquina estatal, adquirindo terrenos desvalorizados, induzindo mesmo processos de urbanização autônoma. E dentro da máquina estatal, com o aparelhamento de igrejas evangélicas cuja força se faz cada vez mais sentir, seja nos grandes centros urbanos, seja no processo de evangelização das tribos de fronteira. Assim, a grande questão que está posta em debate no Brasil não é sobre direita – esquerda ou coxinhas e petralhas, mas sobre a própria existência (e sobrevivência) do Estado enquanto ente soberano das vontades de uma povo e espelho de uma nação.