Resolvi escrever uma retrospectiva sucinta sobre 2019, período de um ano, de trezentos e sessenta e cinco dias entre o passado e o futuro. Muita coisa ficará de fora. Lembro-me de pequeno, mãe e pai incentivaram os registros de expressão: desenhar em qualquer meio, cantar, abraçar, rir. Já um pouco mais garoto, sentia certa inveja dos diários cor-de-rosa das meninas, essas escritoras precoces, cheios de caligrafia cuidadosa, relíquias e penduricalhos. Nunca gostei de vestir o uniforme azul da escola. Lembro-me de uma citação de Saramago, em um dos seus cadernos da Ilha de Lanzarote: “ninguém escreve um diário para dizer quem é. Por outras palavras, o diário é um romance com uma só personagem”. Eis que, em 2018, me vejo encarando a “doença sagrada”, como no livro de autoria – não comprovada – do primeiro médico da antiguidade grega, Hipócrates. Encarando minhas paixões (Patos), inseguranças e limites, sucessos e decepções. Alegrias, desencantos e desacatos. Buscando equilíbrio na insustentável leveza do ser, essa frase magna da balança da vida, como em tantos outros nomes de livros e infinitas formas de memória. Entre o esquecimento e a continuidade. Candomblé, a dança na casa de pau a pique e sapê, com o batuque de atabaques e as oferendas da natureza farta e infinda. A sabedoria sobre os astros perenes e errantes, sobre as fases da Lua e o giro da Roda Helicoidal. A abertura do relacionamento entre o cuidado de si e do outro. A parcimônia de preferir o silêncio ao embate. Não que tenha sido possível. A retomada da prática do Budismo, desde o “Tempo sem Início”, até a “Carta de Ano Novo”. Graças a Deus. Aprendi, no sofrimento da dor e do amor, sobre a continuidade e a ruptura, sobre a liderança e a servidão. Mesmo o cavalo mais vigoroso eventualmente cai. Aprendi sobre as águas, ou melhor, as águas me ensinam desde que aprendi a senti-las, do oceano sagrado até o sacrificado Tietê, de Brotas até a Cachoeira sem Fim. Venho aprendendo. Assim como sinto imenso prazer em observar o firmamento entre o céu e a terra, entre a água e a rocha. De entrar numa caverna e sentir o medo profundo de apagar luz. E o fechamento desse período se inicia como uma promessa para 2020, assim como as possibilidades de outros votos de anos novos: aniversários, outros calendários e datas comemorativas, feitos memoráveis, carnavais e quarta feiras de cinzas, feriados e festas juninas, a pequena rotina das vivências fantásticas, e o grande tédio dos entes maléficos. Oremos e celebremos o que há de melhor na vida, que o mal chore e dê alento. Dizer para meu irmão (irmão e irmãs): “estava dentro de uma cachoeira, no fundo de uma caverna, e pensei em você”.