Pássaros não tem pouso fixo, mesmo quando fazem ninhos.
Exceto o João de Barro, esse construtor das asas leves, casas de adobe. Enamorados do vôo, uma
hora cá outra lá, sábias pausas, sabiás cantantes, da impermanência fazem natureza. Duas andorinhas, insustentável leveza, colibris. Das janelas pra cá, outra
lá, o corpo nu no atelier, um chapéu de coco na cabeça, em frente ao espelho,
continente, casa. Faz graças, rebola, hipnotiza, escapada faceira e gatuna. A
plenitude de estar só, o deixar-se estar, estar-se nua, à vontade nudez. Cupido
nasceu de um sonho assim, Carta VI, aquela que observa do outro lado do
espelho, um corpo entre duas: vontades, do outro, reflexo, outras reflexões. E
uma voz sussurrando da vitrola, “são dois pra cá, dois pra lá”. E pra nascer quebrou o Ovo primordial. Duas vozes, em
cada ouvido uma, Prelúdio de amor. Duas asas, uma flecha, o arco teso,
infantil, mas poderoso, divino e mortal. Três corpos, de dentro, de si, do outro, a outra face, dar. A música faceira, o canto dos pássaros, a
primavera que chega cinza de amarelas cores, prenhes meditações, solitárias
metáforas. Olhar cupido, observa as triangulações dos corpos, tetraedro
desejante, xadrez às cegas, luzes, folhas, pessoas. Nunca dois, só a Lua e o
Sol. Duas cabeças, uma morte, três sentenças. E a matilha de cães uivando pra Lua,
caranguejos no mangue, quando o Sol chegar nos abraçaremos, enamorados de
afetos.
23.12.16
Terra sagrada
Teu corpo
Num faz de conta
A vida brava
Selva de pedra
Contos de fada
Caminhos longos
Coroa de espinhos
O mar de rosas
Encruzilhada
Um leão por dia
Batalha velada
Ele, leal
Ela, dissimulada
Desfechos e desencontros
Sabores e aromas
Reverberâncias
de marinheiro
Nas pontas
De uma linha
Dois extremos
Nossos corpos
Nessa vida
Quantos nós
Já não deram?
22.12.16
14.12.16
9.11.16
Republiquetas
afinal, vivemos uma época dolaresca e tramplesca
vamos aceitar, que dói menos
tornar o jogo deles outro, o nosso oculto
(nosso? nossa!)
jogar às avessas
31.10.16
22.10.16
Ame-o e entenda-o
Malditos comunistas!
Querem mexer com o dinheiro alheio,
quiçá com minhas contas suíças!
Cabrones, não passarão!
Que me importam 54 milhões?
Como se não fossemos nós os mestres da arapuca,
os donos da razão?
Se temos com nosoutros bons companheiros
consagrados moroalistas
de pequeno burguês uma boa rapa
e a rede bobo de televisão!
Comunistinhas de merda!
A começar por aquele velho Prestes,
E aquela pohha loka do Marighella!
Se, desde muito antes dessa história toda,
nossos tataravós já picavam trilha,
batiam estaca
e levantavam as cercanias dessa terra.
Dizem que é dinheiro público,
e não de consagrados trustes
e sofisticados cartéis,
centenárias tocaias e embustes.
Afinal, o que é público,
de todos, é de ninguém.
Porque aqui é o país do negócio
e aqui cidadania não tem vez.
AME-O OU DEIXE-O
VAI PRA CUBA!
Escafandristas
a natureza torna tudo útil
todo lixo, toda sucata
até um navio no fundo do mar
vira esconderijo de peixinho
casa de coral
o desejo dos mergulhadores
do passado
explodem de fora pra dentro
pressão atmosférica imensa
potência, do fundo do oceano
do futuro, astronautas
explodem de dentro pra fora
um gesto simples
mas inesperadamente sofisticado
fogos de artifício
tornar-se
A transição do Tempo
O vento balança a copa da árvores
Pêndulo lúdico e poético
o galho sustenta o balanço da criança
O canto dos pássaros
Barulho das máquinas
O som ao redor de tudo,
ruído urbano
dentro de mim uma grande quietude
Já sei que vai vir tempestade
Como as coisas chegaram a esse ponto?
Não te recordarás
mas sente que te abraças e te enlaças o vento
e a confiança em tudo
trançado fio da vida
por entre as folhas
A construção e o Caos
Desinteressam
Pois árvores dançam ao sabor do vento
18.9.16
15.9.16
7.9.16
5.9.16
Visões da manhã
uma mulher dançando sozinha na esquina de casa
O homem que buzinou com uma marca de beijo na bochecha
4.9.16
A parábola da arte contra a guerra
31.8.16
Hoje assisti uma aula bastante pautada pelo silêncio
ponderativo, e pela digressão (ministrada pelo professor Candido Malta
Campos).
Ironicamente, tal silêncio foi permeado por gritos de
protesto e bombas de repressão, bem em frente à Mackenzie.
Um exercício de austeridade.
Lembrei de uma cena do filme Herói, com Jet Lee, onde uma
escola de caligrafia é alvejada maciçamente por um exército de arqueiros, mas
as pessoas escribas continuam praticando, mesmo enquanto têm seus corpos perfurados. “Essa não é
uma luta nossa! Continuem a praticar”, disse o mestre, que foi o último a
morrer.
25.8.16
23.8.16
Antropocênica
quando for utilizar o termo "homem"
para se referir à humanidade
favor substituir por
"as pessoas"
19.8.16
10.8.16
less is more
um dos lemas duz'arquitects is
mas também nunca deixe de
desconfiar que
more pode ser less
6.8.16
31.7.16
como um raio
rápido e fatal
sintetiza profundas reflexões
pesadas e lentas
uma nuvem de chuva se formando
25.7.16
Divina
Da mão fotografar a palma
Abrir o céu ou o coração
Ler a outra pessoa inteira
Em cada fragmento uma cidade
Como um livro secreto
Os corpos pulsantes
um puro artefato
duas palavras
Calor, vento e pó
Entre nós, o deserto
Às vias de fato
Quem beber dessa água
para Ártemis, deusa da caça e da Lua
21.7.16
Ballerina
Fluída
poderosa
Tem força nos pés esse poema
"Recipe to become a ballet dancer"
Força e graça
como em Maria Maria do Milton
O bailarino é flamenco
mas quem dança é uma Mulher do povo
17.7.16
Moscatel
zumbido de abelhas
doce melodia de
uva ao céu da boca
pêra de inverno
mel de almíscar
figo e maçã
mel de almíscar
figo e maçã
pêssego damasco
festival de frutas
aroma de flores
do latim, pianae
gotas de vinho
néctar de deuses
como bolhas espumantes
gotas de vinho
néctar de deuses
como bolhas espumantes
11.7.16
Proposta indecente n. 57
"-Ei, vamos apagar a tocha olímpica?"
-Você pega essa tocha. E sabe o que cê faz?
22.6.16
21.6.16
Gato de areia
Mar das dunas e oásis do deserto, o corpo dela. Paredes caiadas do
cinturão de casas com pergolados cobertos de parreira. Palmeiras e cachos de
tâmaras. O intenso comércio e agitação da cidade imperial.
Ele entrou pela janela de marfim branco daquela torre moura, com cume
apontado e arredondando gorda conforme chegava ao tronco regular, a dois terços
de altura, para depois afinar um pouco, como a cintura que vai do ventre às
ancas, Mashrabiya. O corpo levemente declinado, as mãos segurando nas bordas
unhas e patas de gato preto o gesto lento e confiante, da escuridão se lança e
os olhos brilham infinitas partículas de luz, passando na fresta trançada de um
lugar fresco, Muxarabi.
Entrando pelos poros como de um palácio a pele, burlando toda a severa vigilância, dando esquivas e voltas, desaparecendo e a surgir tornando, como testemunha oculta, do alto da torre um pássaro observa cúmplice o gato preto andando no telhado.
Entrou junto com as borboletas amarelas de um fim de tarde, pela fresta
que bebe a luz solar, logo mais vai se derramar na lua. Mas não agora, pois
observa tateando com os olhos a rainha que dorme esguia na macia cama forrada
de nenúfar, paxá de harém, no centro de um aposento de pedra terrosa polida,
cor de bronze mármore, algo tão macio convertendo-se em entorno sólido, nos
quatro vértices trepidam tochas de fogo ouro.
O ladrão lembrou-se então da sua própria casa de outrora, aquela grande
tenda, o formato de oca, que sua família erigia e desmontava de tempos em
tempos. Épocas de permanecer, momentos de partir. Mas isso foi uma de mil e
outras histórias. No que ele se concentra agora é na face vulnerável da vítima
que dorme entregue, rainha em seu esplendor. É que para os sonhos e a morte
somos todos iguais, realeza e plebe. E o ladrão não se furta ao receio da
rainha acordar, de tentar seduzi-lo, ou mesmo com seu cetro ordenar matá-lo.
Ele não tem um trabalho a cumprir, nem uma missão a realizar. Mas tem fome de
sonhos. Gosta de devorá-los, sorvendo-os até dissolverem e virarem mistério.
Carece de sentir deslocar-se no seu corpo os sonhos líquidos da vida de outrem.
Tem gosto pela fome, o gato preto que sente a respiração quente e doce da
rainha enquanto a observa, nariz a nariz, e ama expelir.
A rainha acordou pouco depois como num susto, suada e algo ofegante, toda
molhada no meio das pernas. O incenso ainda a queimar, inebriando o ar com seu
aroma cítrico na noite que raiava.
18.6.16
16.6.16
luta de óculos
a questão é destruir a fraqueza
do seu adversário (corpo)
antes que este destrua a sua (visão)
15.6.16
Urbanismo tático
Perto e longe ao mesmo tempo
por quê
por quê
atravessar a avenida
pode custar a vida
pode custar a vida
para Carolina Guido
22.5.16
21.5.16
12.5.16
Robamonte
apelido de infância
territórios poéticos
rouba versos da vida
no final ela pega tudo de volta
Desanuviei
Da escuridão do meu cérebro
uma luz entrou pela lateral esquerda
por uma janela de sótão
o dia nasce lá fora
aqui dentro
10.5.16
8.5.16
6.5.16
O pavão misterioso
Abre a cauda em silêncio
noturno
quando surge
a luz da lua
em pratas cores
teus olhos
Verão
3.5.16
27.4.16
26.4.16
24.4.16
22.4.16
19.4.16
A bela russa
Polaca
à dieta das batatas, acostumada
dos tempos das vacas magras
cortavam ventos frios
de inverno a terra natal
Então hoje em dia
peidava naturalmente
sem fazer pose ou se encabular
Mas tão bonitinha
e a bundinha tão arrebitadinha
que ele morria de tesão
Trepavam sempre que ela peidava
Minha grandeza
Na baía da Angra dos Reis
Entrei na madrugada do mar
pra buscar um poema
(de sonhos futuros):
Boiando na água do mar
na escuridão da noite
o céu estrelado
Na pequenez do mundo
Encontro
5.4.16
3.4.16
os Segredos
também são uma forma
de Mentira
Ilusão
mundo Saha
a carne por debaixo
da pele os ossos
a foice a ceifar
da pele os ossos
a foice a ceifar
o desejo de reinar
a Verdade por debaixo do panos
a venda nos olhos da Justiça
Leitmotiv descoberto
1.4.16
29.3.16
27.3.16
24.3.16
Encabulado
Quando sua professora pega o trabalho
rasurado da sua mão
olha bem pr'aquele trecho
escrito com garrancho
palavras estranhas
e
pergunta:
que qué isso?
Ao que respondo:
não, deixa pra lá,
isso é só poesia
para Angélica Benatti Alvim
SoneTotem
Gêmeos duplo
tapete mágico
Aladin ébrio
salto alto
Ela tôda
folha sêca
porta aberta
entre'frestas
Gato e(P)reto
Onça pétrea
Tatuagem Fênix
sombra Falo
Ato falho
Tocaia Grande
Assim eu falo
quase calo
"quase que eu fiz um soneto"
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