Vai Sidão, Vai Zizo, no mesmo dia
que um dia eu também vou.
Agora há pouco faleceu o Sidão,
do Bar do Sidão.
Esse é o lugar onde eu realmente
comecei a gostar de choro, e de samba.
Mesmo não indo ultimamente, pois
na última vez que eu fui, o Sidão brigou comigo, duas vezes, dizendo que eu
estava no caminho, mas o bar estava tão cheio, e eu tão no cantinho.
E eu achando que ele estava
achando que eu também tinha derrubado uma cerveja, do lado de dentro do balcão! Que infâmia num bar tão pequeno, maroto, tão cheio! Mas foi um Zé ninguém, o tiozão com idade para ser meu pai, mais bulacho do que
eu, um rapazote, com complexo de culpa por desejar as menininha, com idade para
serem filhas dele, minhas irmãs. Pergunta pro Bin Laden, meu brother. E o Sidão
com idade pra ser meu avô. Quanta bobagem os desentendimentos. E o que idade
tem a ver com família, não é mesmo?
E nem sabíamos que estávamos nos
despedindo.
E na verdade nem nos conhecemos.
Eu conheço esse rio que passa,
mas não sei para onde leva.
Eu não conheci meus avôs. Nem sou
o mesmo de anos atrás, nem serei o eu de agora aquele que continua por mim. Por nós.
Outros passarão.
Porque se tem algo que desce, tem
algo que sobe. Se tem algo que seca, tem algo que molha. Se tem algo que limpa,
tem algo que suja. Se tem algo que canta tem algo que cala. Algo que grita,
algum ruído.
Ouvir melhor, olhar menor,
estreito animal passa.
No horizonte, um pulo, a caça.
O sol em chamas. A noite fria. A
vida emana.
Frequência Shchumann, por exemplo,
sete hertz e uns tantos, conforme a ocasião.
Hoje também assisti A febre do
rato. O protagonista nasceu, e contagiou-se com a febre do rato, amando seu
tesão e seu ódio. Dilatada freqüência horizontal, de sexo e sujeira e vida, resíduo
versus corporação, o congelamento, a ordem do complexo de controlar, de
dominar, de destruir.
O sistema vertical que defeca e
vomita na vida cotidiana, as quimeras e os sonhos em nós mesmos brotam monstros
gigantescos, que dançam as danças mais sublimes, e também as mais bonitas, e horríveis.
O nascimento de um bebe, de um
passarinho ou de uma baratinha vem acompanha uma placenta, uma casca que segura,
água e terra, sangue e osso, e rachando permite vibrar.
E o poeta morreu, a poesia não, e
plantou sua semente. As pessoas de hoje e de amanhã falam dele, como se nunca
tivesse partido. O poeta Buda também disse: “Eu sempre estou aqui. Eu sempre
estou aqui. Eu sempre estou aqui”. E eu digo, eu sou ninguém!
Da penúltima vez que vi o Sidão,
ele tirou uma moça pra dançar. E dança um rei, acompanhando uma mulher que
dança rainha. Que finesse. Que galanteio. Que firmeza. Fina galhardia. Que simplicidade.
As lembranças levo todas que
puder. E congelo e degelo leve flagelo, dor que alimenta, de nascer e morrer.
E a alegria de quem suporta o
choro, de quem desata o riso, de quem samba cantando, e provoca estouro.
Uma morte para cada seção de
cinema. Uma vida para cada samba. E vice e versa, a gente vai levando.