11.11.11

Diário aberto: formulação em prosa de uma inquietação poética, ensaio-manifesto (em processo)


     Certa vez, em novembro de 2009, enquanto pintava a saudosa tela “Eros e Tânatos”, fui abordado por um arquiteto, todo solto, quase caindo em cima de mim, figuraça! Ele me disse: “Qual a profissão de Deus? Arquiteto. E a do Diabo? Advogado”. Realmente, Sempre que analiso a real-unidade, dos amantes, da gestação, da flor de lótus, caio na dualidade: ação e reação, causa e efeito, ou efeito-borboleta, Apolo-Dionísio, Atenas e Vênus, paz e guerra, Masculino-Feminino, Vida e Morte, Razão e Emoção, Yin e Yang, ação e passividade, latente e manifesto, real e virtual, Pai e Mãe, em todos os níveis, da superfície de ventos, topografias e ondas – marítimas, sonoras, sanguíneas, à profundidade serena e abismal do silêncio, particular partícula. Uma imensa diversidade incalculável de pequenos gigantes. E daí às tríades: Sol-Terra-Lua, primeiro-segundo-terceiro, etecetera etcetera etcetera. Uma metafísica adorada desde antes de Pitágoras. Todo o pragmatismo que entendemos do universo, paradigma – elementos de um conjunto, e sintagma – combinações possíveis entre esses elementos. “O jogo das contas de vidro”, como sugeriu Herman Hesse, a apoteose do conhecimento da consciência humana – universal.

     Quero aprender a dançar, sem precisar pensar sobre isso. Ter segurança e calma para, junto a quem precisa, realizar meu ofício. Compreender que na minha fome se esconde o sofrimento de outro ser, aquele que será comido. Entender que o meu medo da morte é a fome de outro, buscando se renovar. E o pavor da dor, que aceito ao me deliciar de carne e sangue, é apenas a falta de disciplina. Como me preocupa o sacrifício de um bicho, parente distante. Mas como é gostoso o bife no prato, esse símbolo do sofrimento. Encontrar uma forma de minimizar essa luta – da mente sôfrega por comida do corpo, o que dela for desnecessário. O suor e a lágrima como pedaços de mar.

     Assim é minha missão, seja na arquitetura, seja na música, seja em qualquer arte – síntese científica: apreender os elementos que a Família (humana) vem desenvolvendo nesse empirismo histórico desde os primórdios, objetos técnicos, técnicas para criar, modelar e usar objetos, e o que fazer com esses objetos, essas técnicas, como usá-las. E são tantas, desde que tomamos consciência da nossa própria organização, biológica, social, psicossomática, nesse imenso formigueiro.

     Na verdade, é difícil conter o deslumbramento com tudo que foi e é feito, natureza e humanamente, desde a beleza da floresta, à aridez do deserto, à queimada do cerrado, À chuva que destruiu Macondo, o tempo passando, "pássaro-tempo", a semente, a folha, a flor e o fruto, da formulação estética musical, passando desenvolvimento técnico-produtivo da história da arquitetura e da civilização pela arquitetura e chegando à sabedoria milenar da medicina e da agricultura celeste. Toda a integração e contraste entre todos esses horizontes em fuga. O saber de que estou apenas engatinhando em tudo que faço, um gatinho mamífero na selva dos leões carnívoros. A contenção e disciplina necessárias para continuar me desenvolvendo sem me equivocar. O panfleto de uma pizzaria aqui do bairro, deixado hoje na caixinha do correio, cita uma interessante passagem bíblica: “PV 19.02 – Não é bom proceder sem refletir, e peca quem é precipitado”. Engraçado, como canta Zeca Baleiro em uma música: “todos somos filhos de Deus, só não falamos a mesma língua”, e não canso de lembrar a orientação do Mestre Daisaku Ikeda, diretriz máxima da contiguidade simultânea, da ação e do contemplar: “observe cuidadosamente, compreenda profundamente, execute num instante”.

     Resta seguir em frente, horizontes em fuga de um futuro sempre imaculado, considerando a mortalidade como a outra face da eternidade, essa dança de Shiva que, segundo os antigos, nunca cessa. Universo em desencanto, horizontes do prazer.