Mais uma garrafa ao mar. Sei que é difícil que a encontre,
que as marés e correntezas façam um pacto para levar essa mensagem até ti,
expectante, boiando numa redoma, elas que embalam cardumes de peixes, aos
bilhares, tal qual estrelas no céu, como se soubessem em que ilha, continente ou
galáxia te haveriam de encontrar. Mas preciso jogar a garrafa, ou ela precisa
que eu a jogue, suplicante por partir, como um corvo ou pombo-correio tem
missão fincada à perna, impelindo o auspício de seguir a rota, com asas fortes picar
a trilha, à frente o bico, leque e facão, revolver-se no poleiro ante ao vento
e pular na imensidão do céu, assim também a garrafa está cheia de ar. A garrafa
foi jogada, ou talvez seja eu que me jogo nela, como a flecha soberana estica o
arco e dobra o braço, tensionado os músculos, é pra isso que servem, na ânsia
de conhecer o abismo é melhor que se tenha asas, ou guelras para que não afogue
ao submergir, pois pular bem fundo é igual a voar alto, não há diferença absolutamente,
a não ser a pressão atmosférica e a umidade relativa, afinal a queda também
pode ser um momento de júbilo, como a lua cheia despontando no ocaso do sol.
Jogo a garrafa ao mar e me jogo dentro dela, corpo e espírito, o mar que é
cheio de líquido, e a garrafa que é cheia de ar, de palavras que ficam à
deriva, errantes, sem rumo...