15 de Março de 2017, São Paulo, 18:30h, início das
comemorações de aniversário de 100 anos do curso de Arquitetura e 70 anos da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para dar início às festividades, Paulo Mendes da Rocha, o
mais emérito estudante da casa, invocou um extraordinário banquete de
celebração: como patrono e anfitrião, na cabeceira da mesa, Cristiano Stockler
das Neves, fundador da Faculdade; à sua esquerda, Elisiário da Cunha Bahiana,
autor do projeto do Viaduto do Chá, essa matriz de cidade, e da Casa Mapin com
seu relógio, até hoje naquela esquina do Centro; à direita; Roberto Rossi
Zuccolo, engenheiro calculista, pioneiro na utilização do concreto protendido;
Pedro Corona, artista com obras expostas na Pinacoteca; Serafim Orlande,
topógrafo, voltando o olhar para o caráter original da geomorfologia do sítio
urbano. Com essas cinco pessoas, o tripé arte, ciência e técnica estaria
erigido, ainda que um segundo grupo de festeiros tenha chegado depois: Plínio
Croce, Fábio Moura Penteado e Alfredo Serafino Paesani (primeiro presidente do
Sindicato de Arquitetos do Brasil), Carlos Millan e Eurico Prado Lopes.
Fechou-se a roda com todas as pessoas presentes, amantes da arquitetura, da
cidade e do design, tocou-se o talher na taça como um sino, e fez-se um brinde,
saúde!
Paulo discorreu sobre o desígnio fundamental da cidade, de
tornar o planeta e a natureza habitáveis, porque em si não o são, e o quanto,
observando o quadro atual, a resposta a esse desafio foi imperfeita,
problemática e incompleta. A política ai desponta como evidência material da
forma e modo como se habita o espaço. Já Andrea Palladio dizia, há 400 anos,
que a cidade era feita de monumentos, mas o que se fundava ali, no
renascimento, era a monumentalidade da cidade. O mundo caberia na palma da mão,
mas Galileu Galilei, que elucidou a mecânica celeste que possibilitaria as
grandes navegações, foi mandado para a fogueira pela inquisição. Nesse contexto,
da América contemporânea se formou, como novidade, entre sucessos e fracassos
frente aos desafios da civilização.
Com uma pedra amarrada a um barbante, consigo explicar para
uma criança sobre o efeito da gravidade. Ela gosta de brincar: prepara o barquinho
para descer pela guia d’água; empina com destreza o papagaio no céu; depois usa
o barbante para girar o pião. Mas ensina-se pras crianças muita inutilidade,
como cortar corações de isopor, pintar de vermelho e ofertar no dia das Mães,
assim como o português ofertou o espelho ao índio, sem explicar o mito de
Narciso. Isso há pouco mais de 400 anos, a idade em que se fundou o experimento
da América, parte de um fenômeno de colonização global que obliterou sociedades
sofisticadas como incas e astecas. Também o ameríndio vivia em conformidade e
integrado às matas, rios e tudo o mais; hoje o desmatamento da Amazônia é
compensado à mea culpa nas cidades com parede verdes, solução pífia!
A dúvida sobre o que deve ser feito, uma abstração, é
acompanhada sobre a mais absoluta certeza do que não deve ser feito. O elevador
foi o dispositivo que possibilitou o advento do edifício vertical que
caracteriza a cidade contemporânea, e é, na escala micro, o que outras
infraestruturas metropolitanas – rede elétrica, telefonia, abastecimento de
água, saneamento básico etc são na escala macro. Porém, seu uso irrestrito,
propiciando outros edifícios verticais per se, tirando-se casinhas aqui e ali e
em todo lugar, tem se mostrado parte de um equívoco desastrado, no qual o
rés-do-chão raramente alcança a riqueza de térreos de quadra como no caso dos
edifícios Copan e Conjunto Nacional.
Em que direção vamos nos juntar para discutir o futuro da
nossa espécie em um planeta com sete bilhões de pessoas, e como pensar serenamente
sobre a transformação da sexualidade na agenda mundial, questão que sempre
esteve ai mas agora aparece com mais enlevo? Qual o conceito que temos de nós
mesmos? Como se dá a formação da consciência e da linguagem? Porque a América
Latina não tem ferrovias transversais, ligando os Oceanos Atlântico e Índico?
Linhas transnacionais, amparando cidades e distribuindo as pessoas, e não mais
criando a monstruosidade que é São Paulo, com seus 25 milhões de habitantes.
Por que nossos rios não são navegáveis, como o Rhone na França e o Volkhov na
Rússia? Ferrovias transnacionais trariam a Paz à América Latina, mas aqui em
São Paulo foi mais fácil chamar o operário de baiano. E o colonizador começa a
pagar pelos pecados, pela rapinagem, colonialismo predador do planeta que está
nos levando à rota do desastre...
Para nós, a natureza não é paisagem; antes um conjunto de
fenômenos: dinâmica dos fluidos, mecânica dos solo, estabilidade dos materiais.
Enquanto indivíduos, somos muito breves, 90 anos; quando espécie, 4 milhões.
Saber morrer é continuar. A disciplina como papel. A arquitetura é um saber
peculiar, que possibilita várias aplicações: não só um pilar, janela, parede,
cozinha, porta de entrada; mas cinema, teatro, literatura, sem confinar a
atividade. Toda a cidade desastrada que ai se construiu não vai deixar de
existir, sobre ela há de se ter um ímpeto criativo e inventivo. O conhecimento
é um amplo espaço da notícia que se quer dar ao outro.
A existência, desde que nascemos, tem uma dimensão pública.
Nada é mais privado do que a mente: posso estar pensando o diabo! Entretanto,
tudo o que se forma é porque foi publicado, devidamente. O que seria da um
Shakespeare se nunca saísse da gaveta? O pensamento, a música, o poema, a
dança, se tornam espaço quando são publicados.
Qual a essência da cidade?