22.6.16

Sol em Câncer


dura e molhada por fora
como pedras do mar

quente e mole por dentro
magma da vida

21.6.16

Pra dentro de você


Me pinta
com essa tinta
que uma hora eu
pulo da tela

Gato de areia

Mar das dunas e oásis do deserto, o corpo dela. Paredes caiadas do cinturão de casas com pergolados cobertos de parreira. Palmeiras e cachos de tâmaras. O intenso comércio e agitação da cidade imperial.

Ele entrou pela janela de marfim branco daquela torre moura, com cume apontado e arredondando gorda conforme chegava ao tronco regular, a dois terços de altura, para depois afinar um pouco, como a cintura que vai do ventre às ancas, Mashrabiya. O corpo levemente declinado, as mãos segurando nas bordas unhas e patas de gato preto o gesto lento e confiante, da escuridão se lança e os olhos brilham infinitas partículas de luz, passando na fresta trançada de um lugar fresco, Muxarabi.


Entrando pelos poros como de um palácio a pele, burlando toda a severa vigilância, dando esquivas e voltas, desaparecendo e a surgir tornando, como testemunha oculta, do alto da torre um pássaro observa cúmplice o gato preto andando no telhado.

Entrou junto com as borboletas amarelas de um fim de tarde, pela fresta que bebe a luz solar, logo mais vai se derramar na lua. Mas não agora, pois observa tateando com os olhos a rainha que dorme esguia na macia cama forrada de nenúfar, paxá de harém, no centro de um aposento de pedra terrosa polida, cor de bronze mármore, algo tão macio convertendo-se em entorno sólido, nos quatro vértices trepidam tochas de fogo ouro.

O ladrão lembrou-se então da sua própria casa de outrora, aquela grande tenda, o formato de oca, que sua família erigia e desmontava de tempos em tempos. Épocas de permanecer, momentos de partir. Mas isso foi uma de mil e outras histórias. No que ele se concentra agora é na face vulnerável da vítima que dorme entregue, rainha em seu esplendor. É que para os sonhos e a morte somos todos iguais, realeza e plebe. E o ladrão não se furta ao receio da rainha acordar, de tentar seduzi-lo, ou mesmo com seu cetro ordenar matá-lo. Ele não tem um trabalho a cumprir, nem uma missão a realizar. Mas tem fome de sonhos. Gosta de devorá-los, sorvendo-os até dissolverem e virarem mistério. Carece de sentir deslocar-se no seu corpo os sonhos líquidos da vida de outrem. Tem gosto pela fome, o gato preto que sente a respiração quente e doce da rainha enquanto a observa, nariz a nariz, e ama expelir.

A rainha acordou pouco depois como num susto, suada e algo ofegante, toda molhada no meio das pernas. O incenso ainda a queimar, inebriando o ar com seu aroma cítrico na noite que raiava.

18.6.16

Brasil


Ficção nacional
território constelação

16.6.16

luta de óculos


a questão é destruir a fraqueza
do seu adversário (corpo)

antes que este destrua a sua (visão)

15.6.16

Urbanismo tático


Perto e longe ao mesmo tempo
por quê

atravessar a avenida
pode custar a vida

para Carolina Guido