Matilha inflamável

Fio queratinizado

Cresce da pele dos mamíferos

Da cutícula ao córtex

Do córtex à medula

Curupira monta mula sem cabeça

Medusa endiabrada, saudosa Lilith

Joana D’arc queimando ao sol

Tantas outra amazonas

Cabelo de fogo é assim

A água faz ele se comportar

como um vaso comporta o recipiente

como o mar comporta a terra

O ar faz ele se encorpar

Catalisador que alimenta a combustão

como fogueira acesa em noite fria

E a terra faz ele se eriçar,

Como um Black Power armadão

Como um Black Block danado

as cordas da guitarra se agitam
o arco que atravessa o violino

Tal qual filhos de Ghandi

 para Romy Schinzare e May Árvore

Esfinge

道

“Na máquina ou no caminho da máquina”?

Na máquina DÔ caminho!

para Tony Guedes, e todos os rizomáticos

Peixe sêco

São Paulo de Piratininga

Os peixes mortos secam ao sol

Alimentam formigas

Que alimentam tamanduás

O caçador e a caça

A caçadora e o arco

Amazonas, Europa,

Negritude, Tupi,

São Tião, Oxóssi, Tupinambá,

Tudo é questão de localidade

O que vale é o ponto de vista

Ponto estratégico do planalto

Territorial quartel, generais

Jesuítas e bandeirantes desbravam

Juntos a sagrada terra indígena

São Paulo nunca óbvio

Mas quase sempre

Contraditória dúvida no ar

São Paulo aquele que foi primeiro Saulo

Paulo aquele que foi primeiro papa

Viva São Paulo!

O nome maldito, que acordou

o Anticristo e também outros poetas

São Paulo plural

Multifacetada travesti maldito

Paulicéia desvairada

São Paulo que cobre

Anhangá do avesso

Iansã que inunda

Gotas de água

Caem nos olhos

Lágrimas de chuva

Iansã que inunda

A terra da garoa

para Paulinho da Viola e Mirthes do Santos Pinto

Jogral

Pontiaguda flecha

Obtuso arco

de fuga, linha jogada

em filacantos emaranhada

jogo de filacantos

Kintsugi

金継ぎ

Rocha polida pelas ondas

Fenda tectônica

Cicatriz de batalha

Um co(r)po que caí

Um graffitti que sobe

De certo só corpo

Deserto sol cor e pó

Ouro e barro

Dourado de terra

Ocre sagrado

O náufrago sobrevivente

Surfista prateado

A pena e a espada

Vida que vai

na espuma do tempo

o fio da navalha

jogo de filacantos

Merda!

Fuga que ultrapassa

o corpo, naquilo que se lança

o próprio, seja verso, trapaça,

dança ou equinócio

do tablado à platéia

salta o a(u)tor, se alimenta
dela, que ama e odeia,
o meio-fio, o chão de estrelas

 (seu) céu e horizonte,

se levantam, e deitas

jogo de filacantos

Rosto nu

(crédito da imagem: autor desconhecido)

[samples e amostras,

até bactéria é cultura;

o que dizer de sons orquestrados,

palavras e raios de luz]

jogo de filacantos

O norte e o leste

Acento nordeste

horizonte inclina

de dia a sina

a noite um céu estrelado

também é o silêncio

um exercício de desapego

para o respeito maior

numa tal complexidade de amar

  

com Juliana Garcia

Pirofilia

Vênus em Leão,

de dia Libra,
à noite Touro

A sede por beleza

inflama ardente
infl'amável
dança da chama

n'aquilo que incendeio,

incendeiam-me

Incendiar

O que define o fogo,

o ar e a chama,

mas são elementos vários,

vários temperos

Só o céu inteiro

com May Árvore

O chão sob seu pés

E então, quando voltar no ponto primordial da história

e se sentir ufanista (ou mesmo misantropo),

descobrirá (talvez) outra civilização soterrada,

no seu modo de viver, de sentir e de pensar...

Cais caminhos?

Porto Alegre, 25 de Novembro de 2005, fotografia Juliana Okuda

Serra do mar!

Supersônicos voadores flutuando em nuvens de algodão

Barquinhos regionais,

todos os tipos de cargueiros atracados nas zonas de interstícios,

fermentando os heróis do povo em latas de sardinha

do cais ao porto,

cem dias entre céu e mar,

o caminho do coração

(texto original, 25 de Maio de 2011)

Aroma anárquico

Eu quero que o seu/ meu domínio

se fodam/ explodam

naquilo que é compartilhado por nós

Comunhão entre iguais

Respeitando as diferenças

Mesmo à guerra,

desistir jamais

“Paz é compreensão”

para Ezra Pound

Ele e ela o verbo versa

1234a 4321a’ 1234b 4321b’ 1234c

Decerto esse verso já não é o mesmo
De fato todavia talvez seja inverso

Quem sabe seja mesmo um verso muito experto

Que pula na muquia sem se fazer visto

Que sem se fazer visto pula na muquia

Mesmo quem sabe muito experto um verso seja

Talvez de fato inverso seja todavia

não é decerto o mesmo esse verso já

E agora deito o verbo nessa encruzilhada

Aberto o corpo fecha já não sinto nada

Levanta o verbo solto sua voz bem alta

O sonho vira à esquina e o som dá gargalhada

O som dá gargalhada e a esquina vira sonho

E a sua voz alta o verbo levanta solto

Agora sim tudo fechado abre o corpo

E nessa encruzilhada agora deito o verbo

E sem saber porque me lembro de você

Me lembro de você eu que nunca te vi

E sem saber quê nem porque estamos aqui
Mas chegou mesmo agora a hora de ir

jogo de filacantos

Quintal de Abadiânia

Amarelo quarando

Lençóis em leque,

estampas de colchalhos,

de retalhos tenda,

colchas de essência

(aromas) pregadores,

brita e verdes,

telhado cerâmica e casa
ciano céu

para Luiz Guimarães Monforte

Mundo Saha

A beleza do carnívoro,

o esqueleto do leão não interessa,

o que interessa é a carne

A beleza da morte,

sua eficiência em curar

as rugas do tempo

e as feridas de guerra

Ainda que cicatrizes

belezas da terra

vida bela

as frases cordas de piano,
para além das teclas

jogo de filacantos

Caracu

Ah cerveja preta!

Clareando as idéias

Encorpando o verbo

Em tom de prosopopéia

Proseada épica

Rugido

Ouçam-me rir patetas de uma figa

(rir é o melhor remédio)

Observem as linhas de fuga no sorriso, na mandinga

Pois sou aquele que se tornará Rei dos Palhaços

ops Piratas!

Ossanha que o diga

Dança bandida

Tomado pelo momento

Tanto fúria como medo

Instinto de sobrevivência

Puxou o gatilho

Do espelho cacos

Morto foi vivendo

Amanheceu

No sol do meio dia

O suor do corpo lambendo

Louca lambada

Tombará, mas ereto

Afinal dá muito trabalho ficar de pé

Vive atento

Minúcias
grandezas miúdas
poente

vento

jogo de filacantos

Colorido

sons ao pé do ouvido

raios de luz passando cristais
um deles foi mais longe

"o mundo é um moinho"