Suponha que meu
coração seja ele próprio. Mas suponha também que seja meu peito, meu pau, meu
cérebro. Suponha ainda que seja minha orelha, minha boca, meu nariz, meu cu. Digamos
que meu coração sejam meus pés, minhas mãos, meus braços, minhas pernas.
Seriam corações?
“Seu coração é
apenas isso”, diz o reducionista. “Seu coração não é nada disso”, dirá o
pessimista, e o cético acrescenta, “só acredito vendo”. “Seu coração é
muito mais que isso”, diz o metafísico. “Seu coração é vagabundo”, digo a mim
próprio, na boêmia ou na labuta. Seu coração é tecido e sangue, dirá o
materialista, e se for mais técnico acrescentará, “com todas suas circunvoluções,
cavidades e conexões”.
Suponha que meu
coração seja uma bomba que circula sangue pelo meu corpo. Então imagino minhas
ventosas e arteriais sendo os rios desse mundo. Nasço do ventre da terra, e
quando morro, chego ao caminho do mar.
Meu coração é
tantos e não é nenhum. Mora dentro do meu peito e mora em lugar algum. Representa tudo o que sinto, mas também minha atitude e aquilo que penso. Se
expressa nos meus olhos, na minha boca, mas também no choro, e na
gargalhada áspera de um sorriso amarelo.
Meu coração é
companheiro da saudade e inimigo da ausência, amante da novidade e devoto dos
princípios. Seu espaço é um jardim de momentos plenos, de energia vital, de
prazeres pequenos: respirar, andar, beber, comer, amar, pensar, transpor,
continuar.
Mas também uma enciclopédia de dores, frustrações, fadigas e fracassos. Ele, que não pará nunca, funciona sempre, uma máquina além do cansaço.
Meu coração é tão
menor que o mundo, que direi do universo, mas a tudo quer abraçar. Meu coração
é sangue que corre, ar que respiro, caminho a que aspiro. Meu coração é água, imensa
superfície, indo sempre à fundo. Por sobre o centro de fogo, maré e magma a
girar.
para Zaratustra